quarta-feira, 10 de outubro de 2007
AO LEITOR
A tolice, o pecado, o logro, a mesquinhez
Habitam-nos o corpo e viciam-nos e spírito
E adoráveis remorsos sempre nos saciam,
Como o mendigo exibe sua sordidez.
Fiéis ao pecado, a correção nos amordaça;
Cobramos alto preço da infâmia declarada
E alegres reotornamos a estrada lodosa,
Na ilusão de que o pranto as nódoas todas desfaça.
Na almofada do mal, está Satã Trimegisto,
Quem docemente nossa alma consola
E o metal puro da vontade se evapora
Por obra deste sábio que age sem ser visto.
É o Diabo que nos move e manuseia!
Em tudo que é imundo, encontramos uma jóia,
Caminhamos dia após dia para o Inferno,
Sem medo algum da treva que nauseia.
Assim como o devasso beija e suga
O seio murcho da velha rameira,
Roubamos ao acaso uma carícia alheia.
Para espremê-la como a laranja que se enruga.
Espesso, fervilhando um milhão de vermes,
Em nosso crânio um povo de demônios cresce
E, ao respirarmos, aos pulmões a morte desce,
Rio invisível de lamentos leves.
Se o veneno, a paixão, o estupro, a facada
Ainda não brodaram com desenhos finos
A trama vã de nossos míseros destinos,
É que nossa alma arricou pouco ou quase nada.
Em meio a hienas, serpentes e chacais,
A símios, escorpiões, abutres e panteras,
A monstros sibilantes e viscosas feras,
No lodaçal de nossos vícios ancestrais,
Há um mais horrendo, mais iniquo, mais imundo!
Que sem grandes gestos ou sequer um gemido,
Da Terra, com prazer, faria um só detrito
E num bocejo engoliria o mundo;
É o tédio! _Com olhar esquivo à mínima emoção,
Que fuma cachimbo e sonha cadafalsos.
Tu conheces, leitor, este monstro delicado
Hipócrita leitor, meu igual, meu irmão.
Baudelaire - As Flores do Mal. Ilustração: Charles Baudelaire, em foto de Neyt.
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