terça-feira, 4 de dezembro de 2007

O QUARTO BRANCO


É domingo. Dia chuvoso, dia choroso... Estou sozinho. Tenho às mãos os fragmentos do que um dia será meu livro. O rádio toca soul. Tenho um copo de vodka com limão. À minha frente, o tabuleiro de xadrez, numa partida inacabada.
Entre um movimento no tabuleiro e um gole de vodka, escrevo uma ou duas linhas. Tenho dormido mal e lembranças do que não aconteceu me incomodam. Apenas algo é constante há dias: a imagem de um quarto branco, sem janelas, apenas com uma porta em uma das paredes e um quadro pendurado, na parede oposta à porta.
No quadro, num vasto campo verde, um menino chora, de braços abertos, por algo que perdeu. Seu olhar fixo, fita um horizonte imaginário, infinitamente distante. seus lábios parecem chamar por algo que não virá. Seu grito inaudível, parece ser abafado pelo gesto de saudade, que mostra seu corpo.
O álcool começa a se fixar em meu organismo e o jogo de xadrez começa a ficar simples demais. De repente, me volta a visão do quadro: o menino do quadro se parece muito comigo (só que mais jovem) e o quarto se preenche com uma suave fragância de almíscar. Almíscar?!!... Uma fragrância animal retirada de um veado! (É melhor cortar o álcool).
O vasto campo verde parece ter ficado azul. Mudou de cor como se tivesse mudado de humor. Típico de pessoas de caráter, mas inconstantes e imprevisíveis. Mudo o gênero musical, Raul Seixas parece mais apropriado para meu atual estado psico-físico. O que terá perdido o menino em sua aparente tenra idade? Nesta idade, de valioso, só se perde o tempo. Terminei a partida de xadrez e ganhei de mim mesmo. Mas, afinal, qual a vantagem de ganhar de mim mesmo?.
Sem eu menos esperar, o vasto campo azul fica castanho esverdeado. Me distanciei e percebi que o menino está em pé sobre... não um campo, mas um globo ocular!... De quem será este constante olhar sob "mim"? E se só vejo o olhar, como vou poder identificar o detentor deste inquisitor visto?
Meu braço esquerdo dói intensamente. É o típico sinal de stress emocional (nada que um bom vinho não resolva...). Cheio de dúvidas, olho o quarto mais uma vez. Saio do quarto e tranco a porta. Tranco a porta, mas espero poder voltar aqui, literalmente, e desvendar os mistérios do quarto branco.




Beto Reis. Ilustração de Magritte.

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