quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

PÓ E CINZAS
















Pó e cinzas

Participarei do vento

Que vai ao mar

Na praia da Sununga

Quando voltar

À dimensão do nunca.


Antes de chegar

Voarei com a gaivota

Sobre ondas do mar

Repousarei na tartaruga

Que dorme na ilhota.


Na boca de um golfinho

Entenderei palavras

Que tentam aconselhar o homem,

Mas ele não escuta,

Ou apenas faz de conta.


Quase no fim da viagem

Serei grão do castelo de areia

Onde dorme a princesa

Lembrança que se apaga

Do meu sonho de menino.


Antônio Carlos Rocha

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

OGUNIÊ, AGÁ!
















tenho alguns cabelos e pensamentos africanos
que me foram colocados na época de menino:

- coisa de cosme e damião...

eu andava pelas ruas com uma sacola de papel
a pegar tudo quera bala e pirulito e diagrama
e novidade de vidro e céu, de terra e cor.

mas também havia aquele lance dos tambores,
dos pés velozes,
dos colares carmins e coralíneos,

e aquele esquema de fechar corpos
e da insurgência da mulher entidade
que batia de mão fechada...

minha avó de branco,
meu avô de azul,
eu atabaque e meu primo Siê,

Siê de pai e mãe,
a cantar inocente sem saber na vida
que tudo que é espírito carnavalesca!

nesse finalzinho de ano,
do ano em que perdi minha avó,
me resta imaginar São Jorge
derribado do cavalo
a gritar do meio da favela
em que nasci lá nos setenta:

- oguniê, Agá minino! oguniê!


Anderson H

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

O PALHAÇO DE VIDRO: Um comentário sobre Flávio Mello.























Flávio Mello é qualquer coisa entre Capinan e Torquato Neto. Se é que é possível conciliar estas duas personalidades em alguém... De fato, Capinan faz com que Flávio não se mate. Se Flávio fosse apenas Torquato, não nasceria, seria abortado!... A escrita de Flávio Mello é um vômito do codiano. Ela flui com a própria imprevisibilidade do imediato. Esta forma de narrar está bem em cotexto com os dias de hoje. Se observarmos a sequência de imagens de um filme brasileiro atual, veremos que é assim: cortes abruptos, tudo é mostrado em sequências fragmentadas... porém lógicas! É a lógica interior.
A literatura, bem antes do cinema, adotou essa forma de narrar faz tempo. Na época de Proust, isso era chamado de "tempo psicólogico". Flávio, no entanto, não expressa apenas tempo, mas uma forma de ser e sentir. Um sentir que está em sintonia com os dias de hoje, com 1 milhão de outros Flávios e Flávias existentes por ai e até dentro de nós. É como se você interpretasse alguma peça do Asdrubal apenas para si mesmo, tendo você como único ator... e não querendo ser engraçado. Se você é um palhaço, não o é por opção, mas por maldição!... A maldição de todo ser moderno: viver sobre a corda banba do picadeiro abaixo dos edifícios... com os carros correndo como crocodilos no rio grafite de asfalto, onde será arrastada a pasta do teu corpo quando ele cair... para o delírio e aplauso da platéia!...
Talvez seja uma forma mais dramática, mais "trash metal" , ou "mangue beat" de Luís Fernando Veríssimo. O fato é que Flávio Mello nos reporta ao imediato, ao agora, como se você estivesse vendo a cena se movimentar de dentro dele: o narrador. O narrador "é" você! Pois você vive o cotidiano que ele vive. Ache você medíocre, ou não. Sei que é chato se sentir um palhaço de vidro: ridículo, engraçado e que se quebrará daqui pra ali... (e isso é que fará todo mundo rir!). Mas isto é o cotidiano. Uma peça em palco pobre, onde entramos desde o dia em que nascemos. E que talvez, quando morrermos... percebamos que foi apenas um sonho. Um sonho tolo que julgamos ser real.


Marcelo Farias. Ilustração: Palhaço, de Michel Mendes.