sábado, 28 de fevereiro de 2009

O rústico da sabedoria.



Não levo comigo os meus sonhos quando acordo;
Pois sinto que seria deveras cedo para que a realidade soubesse o que fazer com eles.

Tive comigo, o cálice dos deuses de todos os lugares;
E de todas as mil pérolas ou jóias que possuí,
Só restaram lágrimas de outrem.

Por saber demais - talvez...

Rico! Saia por uma porta de vidro maciço,
E não retornes à sua alma perdida!

Querida vida!
Promessas suas são a minha sabedoria;
Que em madeira ou em palha aliviam;
As matérias indevidas e condicionadas ao passado.

Portanto, sou - rato.
Algum ser rastejante pelo asfalto;
Que cobre a cidade com mentiras...

Não absorvo a verdade;
Só a rusticidade da sabedoria.

A TUDO SEREI ATENTO






















.

Mil vezes a cegueira me tome!
Porque ter nascido homem,
Se como fera é que me sinto...?
Hoje bebi absinto,
E sinto que não caiu bem.

Bem... Bem... Bem feito
Aos que, como eu mesmo,
Viveram cem anos a esmo
Matando a galinha dos ovos de ouro,
Pensando ser de bom agouro
Vender a janta
Para bancar um almoço...

Fui moço
Antes que os vícios me envelhecessem.
Antes que os sonhos adormecessem,
E que toda a cidade dormisse.
Quem foi que disse
Que, de olhos bem abertos,
Enxerga-se algo além
Da ponta do nariz?

Diz...Diz... Diz logo que ando meio louco,
E que falta pouco
Para eu danar a falar
Do cocô à bomba atômica!
Lamba-me o bico do peito,
E arrume logo um jeito
Para que eu te entenda melhor...

Mas faça rápido,
Antes que eu acorde.
Vê se pode
Um cara delirar assim!
Posso...Posso... Posso sim!
E danem-se convenções,
Leis ou tratados.
Vou acender um baseado
Para tentar sonhar
Atentamente
Uma outra vez...

Viu só
Para que serve
Essa bosta de
Lucidez...?


Eduardo Perrone. Ilustração: Salvador Dali.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

CINZA



















À Duda de Oliveira

Já vi o mundo como um quadro de Magritte:

Terra esterco destroçada
a casa de meus ancestrais.
Arame farpado cinza.
O céu nublado de morte.

Torres de vidro e concreto:
mundo de aço e de gaz!
O céu é cinza
(e os ternos também!).

Cai a chuva.
O vidro chora
Em Manhattan,
Liverpool...

A vida nubla lá fora.
Anos 30.
Anos 60...

Eu só quero um pub punk,
moderno,
quieto,
inglês.

Há uma beleza no cinza
e que quase ninguém vê
_poesia concreta.


Marcelo Farias - Ultramodernidade. Ilustração: Golconda - René Magritte.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

RAINHA DA FESTA DO TOMATE






















You can dance! You can jive!...
(Dacing Queen - ABBA)

Eu posso?...
Só meninas.
Preconceito.
Mura, Mura...
Que é isso?...
Esse bigode é postiço.
Gordo pode?...
Só mulher!
Trompa eu tenho.
Serve
nome de traveca?...
Que tal
Eddy Star?
A-d-o-r-e-i!...
Perrone está uma diva!
Falta apenas menstruar...
Deixa o Perrone entrar...
Põe essa foto minha, tá!
Só você me entende.
Mas não vá mostrar os seios!
Bota aquela foto tua:
RAINHA DA FESTA DO TOMATE
Danou-se...



Marcelo Farias

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

NADA MUDA























Se eu não tiver você
(e eu não tenho)
continua todo o mundo igual
os dias de sol
as estrelas nos lembrando do céu
o mar responderá ao vento
logo de manhã, os mesmos carros rugirão
as cidades seguirão seu ritmo
se eu não tiver você
ninguém deixa de fazer nada por isso
os teus amigos rirão contigo
a cama macia acolherá o corpo exausto
as contas vencerão
o trabalho exigirá como sempre
nada muda se eu não tiver você
as coisas de fora se movimentam
as coisas de dentro são como um jardim
e num tempo de rosas florescem e morrem
aqui não importa se lá fora é outono
dentro, as estações não têm lógica
se eu não tenho você
nada muda ...
Ivone fs.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

NÃO SEI SE A LUA MENSTRUA



















Não sei se a lua menstrua
mas hei que a vejo inquieta
em noites que ela se fecha
como quem tem raiva de tudo.
Por vezes parece gritar
quando as nuvens
impedem seu brilho
e ela faz cena,
não sai do lugar...
Como quem vive
um martírio
quer o céu todo pra si
feito fêmea impulsiva
logo míngua, numa quase insana
fadiga.

Até que límpido
o céu fica,
ela cresce
e se enche
toda bonita
feito mulher
em dia de festa...
Esquece tudo
e sai pra brilhar.


Sirlei L. Passolongo

sábado, 21 de fevereiro de 2009

AONDE O VENTO FAZ A CURVA?















No meu sonho o vento é rasteiro

e varre as folhas caídas
para debaixo do asfalto

deixa a rua toda impune
cheirando à lavanda

os garis amam o vento rasteiro

e cantam samba de raiz como oferenda
para esse sirôco onírico, e dançam

porque dançar é uma forma de chegar
perto do pensamento de Deus

e todos querem se elevar...

mas o vento rasteiro do meu sonho
não é brisa nem é de brincadeira

tanto ajunta como espalha
e aí os garis endoidecem

e fazem promessas

e juram por Deus
enquanto esperam eu acordar



Lanoia.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

WORK IN PROGRESS























um cai mundo dentro de mim
buraco luminoso cai mundo
e tudo dentro de mim.
rastro de vácuo atrás dos passos
largos com que ando lado para outro
do quarto mundo dentro de mim
dentro dele, clausura.
caixacofres dentro entro cofrecaixas
como a boca que tenho na boca
e ainda assim as grades brancas
são os calcários dentes de Deus.
cai mundo: umbigodeus.
e na minha barriga o céu abrigado
(cosmicoito interrompido);
cai mundo e eu no quarto
de olhos serrados.



Daniela Moraes. Ilustração: Mae West - Salvador Dali.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

DO DESCONHECIMENTO DA ESSÊNCIA PRÓPRIA























meu Pai sussurrava
poderosas borboletas
por sobre as flores
do jardim da frente.

eu, moleque,
gritava aviões
de guerra.

a cada berro dado
veloz revolvia-se a terra
e meu Pai, amoroso,
mais borboletas fazia.

que tanta graça,
em tal doloroso trabalho,
eu, moleque, via?!

não sei...

Anderson H. Ilustração: Maçã Borboleta - Vladimir Kush.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

PRÁTICAS ANTIGAS























Eu dançarei sobre teu túmulo
Paganismo inerte
Música que aprendi de ouvido
no pulsar envenenado
que me perverte mas sustenta o fôlego

Desfarei no giro dos quadris
A mandinga e a modorra
que lançaste-me sobre a libido
Terei teu jazigo revolvido
e até o verme cuidarei que morra
sob as coreografias febris

Ocorre que as hordas infernais
são palavras esmurrando minha porta
e as logro no encanto das cantigas
E entre ritos novos e práticas antigas
vislumbro-te carne exposta
nas manchetes dos jornais

Breve dançarei sobre teu túmulo



Iriene Borges

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

SEM TÍTULO

















Eu que falava de abismos
Cansei-me de cair
E munido de pá
Decidi me (a)fundar
Pra não tirar os pés do chão.

Eu, que dizia sentir,
Aceitei meu lugar de pedra
E como peso morto
Mantive portas abertas
Sem sair do lugar.

Mas agora, como todo mineral,
Vou me lembrar de ser lava
E ter inveja do vento
Que me varre aos poucos
Ao meu fim de pó.

Eu que falava de asas
Hoje não passo
Das penas.

(Cuiabá, 16 de fevereiro de 2009)


Vinicius Paioli.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

DOIS LADOS


















Chove.
Por dentro.

Olho na janela do quarto.
Pressinto:
toda a minha vontade
já vem brincar miragens
vidrando tons de beleza,
companhia e saudade.

Cúmplice desse desassossego,
um relâmpago
trança as cores do firmamento
e as deita
- líquidas -
sobre a pele nua do parapeito.

O céu fica todo aceso
enquanto ouço úmida
a voz do tempo dizendo:

"- Serena, céu!"

(...)

Tudo é só o gosto dela
que veio condensar de pressa
os horizontes da nossa janela."


Cel Bentin

domingo, 15 de fevereiro de 2009

ENCRUZILHADA


















Dentro desta rua presa pelo crepúsculo
Me encontro desprendido dentro
Da sina diária de ser gente.

Um risco abusivo, mediado
Pela morte siamesa (minha)
Na cara da odisséia de uma
Tinta pintada pelo tempo.

E agora, só restam grãos do
Meu rosto, aquele mesmo (dificílimo)
De apreensão pela capa
Do fim verdugo.

Sol – miserável sol – te puseste contra
A embriaguez do meu corpo
Transformado em bruma,
E numa pedra rasteira que me
Sobra como espaço vivo
De uma morada em fezes (preces).

Anátema bondoso de clausura
Suprema em uma via extensa
Ultrapassada pelo cancro
Do meu Mar Morto em descanso
E desuso.

Sol – Miserável Sol – somos
Todos santos de sangue, pelas
Veias do cimento cínico
E viscoso do entardecer.



dos Anjos.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

O AVESSO DAS COISAS



















queria que contasse
o que vê do alto

desenhos traçados na areia
linhas confusas

essas que se embaraçam
nos meus passos

trançam meus cabelos
que me prendem aqui
no avesso das coisas

queria não ouvir
as canções gritadas no vento

essas notas dissonantes
que me enlaçam
prendem do lado avesso

a pantera fugiu
sou apenas a sombra da fera


Rosa Cardoso.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

PARADOXO



















Eis que me ofereceste o veneno
disfarçado em beijos e caricias

forte, intenso e alucinante
sem antídoto, cheio de malícias...

E vieste assim, inconseqüente
um vendaval em meu corpo,
um alucinógeno em minha mente

me impregnaste do teu veneno
e se tornaste um paradoxo,
agora, és meu oxigênio.



Sirlei L. Passolongo.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

PSICOLOGIA DAS CORES


















As ruas - pintadas de negro.
Meus olhos - pintados de branco.
Branco meus olhos negros
nessa rua de branco.
Todo branco, vermelho,
mais que negro, duplicado
dois aziagos negros:
um vermelho e um manchado.
Fossem seus cabelos negros
brancos, como ainda são;
num futuro hei de vê-los
brancos de um negro vão.
Todo azul, se vermelho,
é um azul mais maduro.
Como o céu que é vermelho,
já sem futuro algum.
Todo espelho é mais velho
que seu dono - absurdo
é não ver que o espelho´
é duplo em tudo.
Já meu peito é mais velho
que sua jaula no mundo
o tempo de pensamento
é claro-escuro.


Adriano Furtado. Ilustração: vitral - foto de Gilson Camargo.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

A maresia da lama.



Tão salgada quanto a embolia sentimental;
Convicção submersa no mar - doce e vermelho dos teus pés;
Descritiva, a lama pede: "Aos ventos em revoada entrego as almas!
Ao mar entrego em revoltas aladas,
O maior e o menor preço do universo!"

Tenho meu orgulho submerso;
Num mar revolto de saudade;
Mar que se assemelha à igualdade da lama,
E da terra que pisas.
Tu sorri. Tu sente a maresia?

Os favores frios que concedestes;
Renegam o calor do que eu sinto.

Afunda - areia movediça;
Afunda em mim - humana;
Rejeita a si - esnoba teu verdadeiro amor.

Deixe-o ir embora.

EXPRESSO DOS ANJOS


















Andar ruas, esconder-se multidão. Pessoas escondem-se em mim. Sou minhas doenças. Fumaça. O mundo é este nevoeiro de carbono lançado no cosmo por máquinas velhas. Placas, cartazes, sapatos, passadas, passados. Pele descartável. Hoje as flores de plástico tem pétalas de carne. Misturo-me com a pele dos outros. Mal me quer, bem me quer. Despetálo-me neste ônibus ao meio dia. Essa carcaça de ferro e vidro exibe o rosto dos esquecidos na janela. Os postes me acompanham.
A máquina leva seus passageiros nas costas. Pingos de chuva vêm do céu da boca das nuvens. Mexo o braço mexendo os corpos dos estranhos. Como poderei amá-los? Esqueço seus rostos num olhar desinteressado. Esqueço. Não me vejo. Meus pés confundem-se com os passos falsos, sem graça e inúteis dos outros. O ônibus, essa nave sem vôo, é a verdade de seus passageiros. Minto sem saber. Sei que eles mentem em busca de uma verdade imaginada nos botões caídos sobre o metal da nave. O chão não é visto, nem sentido. É preciso chegar no ponto. Chego na estação. O mundo é cheio de paradas. Saberemos sempre onde descer. Aonde chegar? Em casa? Na fábrica? No bar? Na praça? Na morte?
As lâmpadas piscam para se apagarem. Cortes. Portas. Janelas. O ônibus segue lotado. Estou lotado dos outros com meus ombros enrijecidos. A cigarra canta pra morrer. Quando precisarei descer? A cigarra canta pra morrer. Medos de sinetas imperativas. Estou de pé nos pés dos outros. Me conforto vendo sete passageiros sentados. Das costas de suas costas surgem pontas de ossos em vão brotando em forma de galhos venosos. Asas vão cada vez mais crescendo. A penumbra. Pares de asas. Enormes asas. o ônibus não poderá suportá-los, nem comportá-los, muito menos me assombrar. Vejo mães parirem seus filhos para comê-los. s passageiros se incomodam com a penugem dos alados. Apesar das longas asas, eles não conseguem se mexer. O homem de asas levanta-se. Outros ocupam seu lugar. Alívio para os pés cansados. O expresso tem janelas grandes, de vidro. Todas fechadas. As portas automáticas não abrem fora do ponto. Eles precisam sair do veículo e voarem. Pra quê ter asas se não podem voar? Apesar de imensas janelas cristalizadas de plástico preto, a ventania não circula. O dia inteiro será sempre noite de dentro dessas máquinas. Eu quero que este monstro de aço esmaltado se choque no primeiro muro da moral. Que se espedaçe no último desastre. Que se espalhem seus vitrais pelo mundo.
Um menino arranca da sacola um martelo. Quebra as janelas e solta as aves. Os alados escapam damáquina. Voam libertos sobre a cidade suja.



Marcus Ney. Ilustração: Lagarde Perpignan - Salvador Dali.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Um ensaio.


E tu estás aqui de novo – destino insólito!

Trouxe até mim essas belas imagens – já anteriormente esquecidas, e corroídas pelo tempo.


Eu a coloquei como foco;

Eu a entorpeci com os efeitos sonoros dessa vida amarga!

Ela assim me arrastou e me dissecou internamente.

Estou agora pela metade; Tu levaste minha mente!


Sou – o que já não era.

Maldito seja o som das trevas!

Ecoam-se em meus ouvidos o teu bater nos ares envoltos em mentiras;

Consigo sentir teu cheiro em óleo das outras filhas;

Dessas ruas e desertos, nas quais tu dizes possuir.

E tudo não passa de um mártir!


Já pensei ser dona de minhas próprias falas – mentira! Carrego comigo uma leva de pombas giras; Que renascem a qualquer sintoma de amor a ti.


Religião sem fé – seca!

Pequena e imensa solidão – se embaraça e espaça-me aos dedos, tamanho torpor que tu me deixaste.


Alfaiates? Reerguem-se!

Deixam-se os velhos trapos de sonolência que vestimos – abandono!

Relevam-se os sonhos puros que cumprimos – assombros!

Fantasmas e deuses que tornamos a ver – Delírios!

Sinos e sinos!


Talvez não! Estejamos loucos, então!

Em teus olhos de tamanhas cores – desenho cores novas!

Semi-novas planícies de montanhas novas – mais novas do que os sentidos!

Qualquer fossem os dizeres agora...

Não seriam dignos de lágrimas vossas.

Senhorinha de tamanho imaculado – anjinho malvado.

Envolta entre mantos de mentira;

Tu és tua própria cria;

Teu princípio e teu prazer;

Sente-se feliz ao comover qualquer um de seus amantes;


Rodando sua saia afora;

Tua indecência – mente interna -, doçura infame;

Delícia entrando-me aos poros – sempre!

E fazendo-me lembrar de ti.


Só, eu não sou.

Não. Não és.

Somos. Podemos.

Morreremos sabendo.

Escrevemos e encenamos;

Deveras fossem nós dentre tantos;

Capazes de sermos – não fomos!

Nem seríamos - talvez!

Tamanho fosse o sofrimento de prazer,

Que teríamos ao nos encontrar.


Não hesitei em lutar por ti.

A categoria de minha falácia decai sempre – ruína!

Minha única menina – em um mundo com almas a me comprar.


Os instantes desgastam.

Recebo os passos de pessoas que não me vêem – risos!

Amigos, e familiares!

Palmas lineares!

Tudo muito ensaiado – peça e teatro!

Ruído calado de algo que eu disse.


Reino sozinha! Queimo-me!

Fogueira inquisidora;

Fácil conter-me em seus braços!


Restos. Apenas.

Inteiras são as pernas;

Que ousam trilhar o mesmo caminho.


Sozinha! Sempre!

Contigo em mente – contente!

Mentindo através do soluço e ardor;

Fingindo sentir amor por esse humano – sou!

Me envergonho...

Me calo...

Abandono o papel...

Deixo o corcel correr sozinho;

E me abençôo com o vinho.


(Imagem: Hyatt Moore - Flamenco Trail.)


Odisséia



Tinha lá seus pés pregados nas nuvens,
Com a cabeça em meio ao mar,
Navegando com seus olhos no destino,
Em meio aos seus sentidos, sua nau,
Errava em busca do poente ao fim do mundo.

Rilhando em seus punhos o caminho,
Numa pena que instaurasse sua estrada.
Vagando aos sete mares do deserto,
Vagando pela sombra em sua voz,
Fazendo de seus sonhos meias léguas

Que o levassem sob o centro da memória.
Um viajante que trilhava as desventuras.
Velha criança que se perdeu no horizonte,
Lá nas cores, sobre o logro de seus dias,
Lá no ventre do oceano, um coração.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009























Meu corpo,
esta imunda porção
de células natimortas
se autodecompõe ao pesar
dos anos insanos que passam
regados desregradamente
entre mesas, álcool, copos
e putas que flagelam
minha alma errante de ser.
Meus tecidos epiteliais
desfibrilam-se em soturnos bacanais.
Meu hipotálamo mudou-se há tempos
para o lado mais obscuro da vida.
Meus olhos macambúzios
debaixo dessas pálpebras ébrias
teimam em desvirtuar o horizonte.
Minhas pernas me levam sempre
ao bar mais próximo da morte.
Meus sonhos são recheados
de covas de terra fria
procurando aplacar
a embriaguez em que me encontro.
As vozes que ouço são murmúrios
e lamentos satânicos dos que
diuturnamente me acompanham
nessa empreitada sem volta
que a cada amanhecer se renova.



Amarildo Maciel. Ilustração: Boris Karloff como o monstro de Frankenstein.

CRIADORA DE SÍMBOLOS























Não sei definir o que há,
nem consigo segurar o que sinto
Expressão de forma cabalística
Mil formas de pensamentos "sem sentidos".
É porque é bom.
Adoro brincar de Deus!
Mas crio coisas "inúteis"
sufocando os meus instintos.
Indefinindo, confundindo os olhares.
De vulgo luxurioso
vocabulário reprimido.
Comunicação bloqueada,
numa tênue reflexão,
de tanto buscar o clímax...
Afasta-se,
nefasta
e nada.
Pois se contenta com burburinhos;
de honrarias fáceis.
Destruindo o verdadeiro
templo da salvação
de uma criadora de símbolos.


Pollyanna Furtado. Ilustração: Leda Atômica - Salvador Dali.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

NEBULOSA DE EMISSÃO


















não que o coração me fosse pai
ou que a paixão devota me apanhasse
pela espinha inocente em chicotadas.

minha questão interior com as estradas
começa
no ponto
em que a veia adultera o fluxo contínuo do sangue

e me põe rios de lavas
a correr montanha acima,

na direção da boca,
do cume incauto da língua,
no rumo do “eu te amo”.

nunca fui exangue de passos
e sempre que pude
caminhei pelo mais difícil.

forçar movimentos, dominar peristaltias,
fumar crisálidas e cuspir borboletas de artifício
é de minha essência nó em fumaça.

a bem da verdade,
por amor,
não há o que eu não faça

e bem sabe
minha amada
que por mais que a voz me falte,

não titubeio em subir à amurada do sol
para gritar seu incasto nome em chamas.


Anderson H. Ilustração: nebulosa de Órion, em imagem do telescópio Hubble.