quarta-feira, 30 de abril de 2008

ATADA






















Visto cambraias
nas vistas do dia,

nas sombras das linhas
chuvisco neblina

entre paredes caiadas
armo uma rede,

deito todas as horas de espera
e me cubro de promessas

essas

que me faço
porque acredito

em minhas mãos e nas tuas
entrelaçadas.


Ivonefs.

terça-feira, 29 de abril de 2008

Rua da Aurora, Recife-PE
Foto: Felipe Ferreira

da aurora
pouco
posso enxergar:

ou estou muito
sonolento,

ou bêbado demais
abrindo/fechando bar.
.
André Espínola

segunda-feira, 28 de abril de 2008

GUERREIRA MORTAL























Com minhas roupas de negro couro,
Sou bela guerreira fatal.
Com o sangue de meus inimigos,
Mantenho esta vida imortal.

Lendas sobre mim se espalham.
Escoam por vales, montanhas.
Amedrontam os covardes.
Põem em sobressalto os padres.

Famílias abandonam suas terras.
Cidades tornam-se fantasmas.
Todos fogem ligeiros, os pulhas.
“Cuidado”, dizem, lá vem à peste noturna.

E caminho nestas terras vazias.
Procurando por ti noite e dia.
É aprendi a andar sob o sol.
Mas o sopro da noite sempre me alivia.

E um dia este mundo não mais existirá.
Os que sobrarem, a morte os alcançará.
Brutal, letal, sem pestanejar.
Sem você não vale a pena, tudo se findará.


By Ana Kaya

quinta-feira, 24 de abril de 2008

zero


Fiz do zero a resposta mais justa
Mesmo que nula
Enxuta
Agora respondo a tudo com o zero
Só ele completa a fórmula das improbabilidades
O zero completa o sim e o não

Contar é não ver limites
Por isso não conto
Dou de ombros às reminiscências
Semidemências
Querências
Paro no ponto devido
Preciso
Embora não precise

Hoje quando acordei
Não vi números
Não vi
E é como se argumentasse contra as regras
Rezei para que não chovesse
A chuva zero atendeu
E não caiu baixinha
Fina

Que importa se as coisas vão certas
Mais vale a certeza não número
Certeza é necessidade do culpado
E eu
Incerto
Contos os passos em regressiva
Do zero ao zero

Meus pensamentos são o zero
Completa ausência
Zero de tristeza
Zero de prazer
Zero de culpa
zero e não
zero e um
zero

terça-feira, 22 de abril de 2008

O ARRANHÃO

















Toinho tinha 12 anos quando isso aconteceu. Já havia quatro anos que sua amada mãe havia morrido. A casa antiga da fazenda se tornava cada vez mais sombria. Os dias eram solitários, seu pai não lhe falava muito. As noites eram longas, os roncos de seu pai não lhe permitiam dormir. Ele ouvia cada som de noite. desde o vento na plantação, até os chiados das galinhas no porão. Mas nada superava os roncos de seu pai.
Certa noite, ouviu um barulho diferente sob o piso do quarto. De repente, as galinhas se alvoroçaram e subiu-lhe, às narinas, um cheiro de mata e cachorro molhado. Imaginou que o galinheiro estivesse sendo atacado por uma raposa. Pensou em chamar seu pai, mas seus roncos, infindáveis, denunciavam um sono de pedra.
Abaixou-se sobre o assoalho e pôs-se a olhar por suas frestas. Viu um vulto maior que um homem. Assustou-se e quis correr para o quarto do pai. Mas os roncos emanados de lá, o assustavam mais que o vulto. Voltou a abaixar-se e olhou novamente entre as frestas. Surpreendeu-se a notar, do outro lado das frestas, um par de olhos esbugalhados e vermelho-fogo. O detentor dos olhos vermelhos falou-lhe, em voz rouca hálito de fezes de galinha:
_Tá olhando o que moleque?
Silêncio.
_Quer chamar o papai? _Continuou.
_E eu chamo mesmo!
_Se ele se preocupasse com você já estaria acordado, não acha?
_Ele só tá cansado!
_De você?
Silêncio.
_Essa sua vidinha pode mudar, menino.
_Como?
_Acabando com seu medo.
E terminando de falar, o estranho encheu a boca de algo que pareceu, aos olhos de Toinho, uma suculenta farofa de pinhão.
_Eu posso te ajudar! _Contibuou, falando e comendo.
_Como?
_Venha até o galinheiro.
_Não sei!
_Não tenha medo, confie em mim! Venha aqui.
_Espera! _Foi falando e se dirigindo ao quarto do pai.
O grande home da roça dormia ente três travesseiros esfarrapados, uma colcha de retalhos velha e um lençol que não parava sobre o colchão. E roncava forte, como uma fera faminta e desorientada. Pensou em acordá-lo, mas depois do terceiro rosnado sonífero do pai, desistiu. Saiu pela casa, andando pé-ante-pé até a porta do porão, servido de galinheiro. Respirou fundo e entrou num pulo só. De olhos fechados sussurou:
_Estou aqui.
O homem-fera soltou um urro gutural e todas as aves do galinheiro sairam desesperadas pela porta, passando por cima de toinho e o derrubando ao chão. Apavorado, começou a gritar e esmurrar o ar. Por alguns segundos, ficou assim. Até percerber estar completamente só. Levantou-se com medo e olhou tudo ao redor. Não havia nada, nem ninguém... Limpou-se rapidamente e voltou para dentro de casa. Correu para sua cama e cobriu a cabeça. Depois de quase uma hora ouvindo os sons da noite, acalmou-se e percebu um arranhão em seu antebraço esquerdo.
Passaram-se 28 dias e o arranhão não se curava. Por dias ouviu o pai lhe recriminar por ser descuidado e desatento e por se machucar à toa. Além disso, nos últimos dias, o ronco do pai parecia mais alto, freqüente e irritante.
Naquela madrugada, 28 dias depois do ocorrido, o menino ouviu o mundo se silenciar... Foi até a janela, sentiu o cheiro de mata e de fezes de galinha. Sua boca secou, seus olhos viram muito mais longe do que já havia visto em sua vida. Num instante, o mundo ficou claro ao seu redor. O menino fechou os olhos e seguiu ouvindos os roncos de seu pai. Já à porta do quarto, sentiu o cheiro de fumo de rolo e estrume de vaca queimados, cachaça e limas da pérsia (que na verdade eram de seu quintal mesmo). Segundos pareciam horas. E os roncos pareciam cada vez mais altos. Sua cabeça parecia explodir. A dor era incontrolável... De repente, ouviu-se o som das unhas afiadas em carne macia e sebosa. E não se ouviu mais nada.
Naquela noite, depois de quatro anos, Toinho dormiu como um anjo. Um anjo da noite!



Beto Reis.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

PROSA (ou Antinomia Entre Pollyanna Furtado e Duda de Oliveira)






















É preciso ter tédio para fazer prosa.
Poetas não fazem prosa.
Quem não sente frio não pari prosa.
A prosa tem mãe no ambiente
e não no sangue da gente.
A prosa é urbana,
desumana!
A prosa é a moça que mostra o corpo no filme pornográfico.
No foco certo, no ângulo exato.
Não é atriz de teatro.
A prosa é um saco
de segredos guardados mas sem paixão.
Razão que não engasga no depoimento.
É o silêncio
do verso oco e desnaturado.
A prosa é o fato.
Que passa fora de mim
e espera minha reação.



Marcelo Farias - Ultramodernidade.

domingo, 20 de abril de 2008

INÉDITO























A chama acesa
geme
os olhos paraliso,
...pele branca...

_Flor de lis _me diz.

Risca e cola
lábios, lambe, escorre...

Lá fora tem o tempo, as horas, os outros
e nem me lembro.



Ivonefs. Ilustração: Mulher - Salvador Dali.

domingo, 13 de abril de 2008

Festa da Saudade


DIA


saudade canta
no peito,

s a l t a

tal qual criança
pulando corda.

depois, bêbada,

tropeça

vomita no chão,
e do chão
pinta as paredes
com o vermelho
da solidão.

levanta-se
como se cair fosse
um passo de dança

e faz roda de ciranda
de mãos dadas
com as
lembranças.


NOITE


já suada,
tira a roupa,
vai pra cama,

abre as pernas

e diz

- vem.

aí dorme eu dentro dela,
ela dentro d'eu

sem saber se
eu sou ela
ou se ela sou eu.

André Espínola

quarta-feira, 9 de abril de 2008

TEU PAU

















Ondula em minha língua.
Teu desejo bruto,
hexaedro, poliedro
qual diamante cristaliza-se.

Atrai-me em fascínio!

Pego pela boca,
danço e cubro
todo o espaço...

-Teu pau é lindo!

Tua tez saliva meu corpo,
jorra céu em terra úmida
acende,
encosta,
mostra o inatingível,
suga meus mamilos!

Subo,
aperto,
contraio a tua essência

vestida em teu corpo.
Grito... teu nome...



Ivonefs.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Bom Dia!

















Tem uma época da vida em que a gente não sabe o que quer fazer: Jornalismo ou Letras, namorar ou ficar sozinha, fazer festa ou morrer estudando.
Fui dormir pensando nisso e acordei meia hora atrasada. Pra quem não sabe, eu odeio acordar atrasada. Odeio muito. Eu fico de mau humor durante uma semana inteira quando isso acontece. Atrasada, fui tomar banho. Fiz o mais rápido possível. Vesti-me rapidamente e fui logo para a cozinha, torcendo pra que desse tempo de tomar meu café-com-leite e comer meus biscoitos salgados. Não tinha mais biscoitos. Nem presunto. Comi queijo com pão quase chorando de raiva. Faltavam 5 minutos pra eu ter de sair, então fui logo passar lápis de olho. Quase fiquei cega. Aí eu chorei, mesmo sem querer. Meu olho lacrimejava contra a minha vontade por causa do delineador que tinha vazado. Entreguei-me como um bebê e chorei, chorei muito. Pus as mãos no rosto e, deitada na cama (que não estava arrumada devido ao atraso), comecei a soluçar. Cessadas as lágrimas vindas de um ridículo mau humor matinal, sequei o rosto vermelho e entrei na van (aquela cuja porta quebrou na crônica anterior). Bom dia, eu disse. E sorri. Meu dia começou ali.


- Duda de Oliveira.

domingo, 6 de abril de 2008

Anti-Clímax


por que todo samba dá no mar?
na areia boa de não pisar?
e aquela tal de iemanjá
vem de longe abençoar?

queria um samba que sambasse
longe do terreiro onde nasce
onde onda não rebentasse
ah! se aquele sambeiro provasse!

queria sambar o samba improvável
que falasse torto, de automóvel,
rimasse a rima inerrimável,
e, no fim, de melodia imprestável...

ah se o samba tirasse a roda
onde gira a baiana porque é moda,
podasse o pandeiro e não poda
pois não sabe que o ouvido incomoda

fico na esperança de um dia
ter um samba que não traga magia
não fale da noite, ou do dia
e não tenha uma musa Maria!

Sopro (Um poema sempre inacabado, infelizmente!)




Um índio morre queimado,
indefeso, dormindo.
Descaso.
Morreu.
Problema de exclusão!

Trinta morrem na igreja
de deus, do Quênia.
Peleja.
Morreram.
Problema de uma nação!

Os pais mortos a paulada
ganância, barbárie,
facada.
Morreram.
Problema de educação.

Um menino arrastado,
pela rua, para a morte.
Pecado.
Morreu.
Problema de alienação.

Uma bela arremessada
da janela, pelos ares
Judiada.
Morreu.
Problema de degradação.

Morrem homens todo dia
que somam-se aos índices.
Ironia.
Morreram.
Problema de coração.


Barbara Leite

sábado, 5 de abril de 2008

EM BUSCA DE MIM























A solidão fere meu coração
Esta solidão que me enche por dentro
Esta sensação de impotência
Ferida que dói em constante latência

O muro que construí, ruiu
Estou exposta e isso me assusta
Minhas fraquezas podem ser usadas
Para me derrubar me arrasar sem um piu

Enojam-me as pessoas
Irritam-me suas palavras vãs
Perco-me dentro de mim mesma
E me acho surpresa

Encontro-me em cacos
Pequenos pedaços de cristal, luz
Isso me mostra que mesmo em pedaços
Meus nervos são de aço

Espada em riste luto desesperada
Estou toda machucada, mas ainda viva
Ainda com forças e crenças.
Não importa nada o que pensas

E de embate a embate
Sigo minha estrada de lutas
Perseguindo-te oh felicidade
Com todas as minhas forças


By Ana Kaya. Ilustração: Angústia - Salvador Dali.

(RE)T(RA)TO
















Ontém fiz aniversário.

Ansioso convidei a mim mesmo.
Pensei que não aceitaria, mas aceitei. Pensei que não viria, mas vim. Á porta, me vi trajado a rigor, me visto bem, exercito Armanis. Me cumprimentei, teci alguns comentários sobre Rimbaud, o 3- reich e, pasmem, fiquei-me...
como me gosto!
Só eu e eu na festa de mim.
Impetuoso, tomei-me logo pelos braços e me levei ao quarto, na vitrola Duran Duran, mas gostamos mesmo é de Accept, eu e eu. No quarto, entreguei-me por completo a mim, beijando onde podia e cabia e delineando a entrega do que me tinha, me possui com completude e vigor.
Me despedi quando já amanhecia e prometi me ligar assim que pudesse. Fui.

Hoje estou sábado
e me espero ansiosamente.


Muryel. Ilustração: Metamorfose de Narciso - Salvador Dali.

terça-feira, 1 de abril de 2008

Encontro de Sentidos Contrários



É em trilhos
abandonados
que eu trilho
meu caminho

com sentido
cidade-subúrbio.

A vegetação
que os encobre
parece devorá-los
aos poucos,

e só não os come
por inteiro

porque tremem,
lá dentro,

ecos de saudade
das passagens
antigas
de trens.

E lá na frente,
pelos mesmos trilhos
abandonados,
tu vens.

No teu sentido,
subúrbio-cidade.

André Espínola

A CORDA
















Das órbitas saltavam lágrimas insolúveis e inquietas, depreendidas em desalinho.

Sentia-se acre, mordiscando a língua que gotejava, na gravata cáqui, baba salina. No CD player, arremedos de folk, enquanto se debatia efusivamente e o roxo entoava e delineava a textura dos lábios... faltando-se a si mesmo. O sabor da jaca, do primo porre, o sabor da mãe a catar piolhos. De todas as arestas, odores sucidas encorpavam o ambiênte.

Da parede, Sartre observava tudo, em silêncio.



Muryel.

O COVARDE























O pior tipo de homem que existe é o tipo covarde.
Aquele que te envolve, te engana, fingindo um amor que nunca terá.
Fala doces palavras pra te encantar. Mas de doce, não tem nem o olhar.
E pior ainda, as mesmas doces palavras as disseminam por todo lugar.

O pior tipo de homem é o que engana até a si mesmo.
Fingindo ser algo, que realmente não é.
Fingindo ser romântico e encantador.
Mas só espalha pelo mundo desencanto e dor.

O pior tipo de homem é aquele que teme os desafios.
Encosta-se no mais fácil, quando a felicidade é um árduo caminho.
Finge que busca, mas apenas se encosta.
Finge que é sábio, mas é apenas um vagabundo.

Para eles, reserva-se o refugo.
Posto que nada melhor seja merecido.
Covarde, fique com o resto e o imundo.
Fique na lama, tu és profano e impuro.

Ser despido de coragem,
Não assume seus atos, nem informa a razão.
Patético Don Juan, pensa que é rei.
Mas é mero vilão.

By Ana Kaya