terça-feira, 26 de maio de 2009

OSCULUM OBSCENO























num perfeito meia nove
me pressiona contra o ventre
como louca ela se move
até que a língua entre.

ela geme, urra, chora
e encara a minha vara,
que bom seria se agora
ela peidasse em minha cara.


Artur Farrapo

segunda-feira, 18 de maio de 2009

FULCRO



















Minha vontade: um desgaste
sem fulcro
Estou a fenecer,
estou sentado no pátio
deste império natimorto.

Perdi meu nome
no cancro espalhado
dos teus olhos. Agora sou
um lazarento infeccionado
pela lepra da tua boca.

Estou de partida, sim, estou
de partida.
Na partida me esbarro no
caroço de pus prestes a estourar
no teu pútrido.

Já não me escondo nas faces
que tenho. Sou quando estou
numa delas.

Ao me ver com a face
fria e pálida, lembres
que sou somente mais um.

Alguém passará por meu
cadáver e comentará
até o que não fui.


Vagner Castro

segunda-feira, 11 de maio de 2009

"Obra de Arte"



Você sabe desenhar um coração? Então desenha com um giz de cera aqui no meu peito, pode ser? Com giz de cera, pois me queimei feito uma vela esse ano, e acho que essa cor escarlate combinaria comigo... O quê? Giz de cera não “pega” na pele? Tem que pegar! RAM! Eu já fiz coisas mais difíceis, e olha que sou humana demais! Anda logo, me risca logo! (Não interprete de modo errôneo – não me risque da sua vida!) Eu vou fingir que vai sangrar. Perto do coração sempre sangra – não sangra? Faz um tempo que não vejo sangue, mas eu o sinto escorrer, sabe? Aperta mais!!! Não estou sentindo fincar na pele... Como assim não vai dar certo? Me dá isso aqui! Eu mesma desenho.


(...)


Ficou bom? Bem, eu nunca desenhei muito bem... Mas você gostou, não gostou? Ah, não ligue, eu sangro mesmo. E sim, o meu sangue é dessa cor. Deve ser pela demora, ou talvez ele esteja bem curtido aqui dentro. É quase um “tempero”, sabe? Eu deixo o meu sangue em conserva pra... O quê? Não! Hahahaha! Nunca desenhei um coração por ninguém. Me desculpe mesmo por você não ter gostado. Quer que eu desenhe outra coisa? Uma montanha...Ou até outro mundo pra você...! Não! No meu peito não cabe um mundo todo, mal coube esse coração mal desenhado... Você consegue enxergar? Não, não é um urso – apesar de ser tão grande quanto. O que você acha de eu tentar desenhar um em você também? Ah, tudo bem. Entendo... É realmente necessário estar preparado pra isso, não é? Ah, tudo bem. Nos vemos mais tarde então? Que pena... Certo. Até mais, então...


- E agora? Como faço pra apagar?



(Escrito em meados do ano passado.)

sexta-feira, 8 de maio de 2009

AM(AR)























É difícil amar,
pois amar é oceano:
pairando
para lá e para cá.
Se amar fosse sólido,
seria pedra de gelo.
Melhor então ser vapor
e pairar pelo infinito.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

COMO EU QUERIA VIRAR NUVEM...























e sou tão absurda
quando jogo comigo mesma!

mas inventar alguma coisa
daria uma tonalidade audaz
nesse quadro inanimado:

o branco incendeia
o breu da noite atormentada
a cada linha delineia:

anjos de asas e armaduras
adornam vielas com casinhas acesas
as janelas, os segredos

(que nem são segredos,
mas não tenho acesso)

liláses, vermelhos, arredores
"Rosa-e-Azul"

montanhas, pincéis, crianças, nus
Renoir, Van Gogh, Monet, Degas



Ivone FS. Ilustração: Madame Monet e seu filho - Claude Monet.

terça-feira, 5 de maio de 2009

CHUVA QUE ME BANHA SECA















A cova que me viu passar cantando
Foi cúmplice do mal que me assolava
Na porta que chorava quando entrava
Soluços de degredo quando em quando.

A pá que me enterrou foi posta em riste
Cansada de beber da mesma terra
Da morte que comigo - só - se enterra
Num solo sem amor na face triste,

A chuva que me banha sangra seca
E escorre pelo ralo da indolência
Partida de uma face pobre e seca
Que ri em pleno acesso de demência.

Parti do próprio parto agora pobre
Pra um mundo sem louvor que desconheço
Prefiro estar na peste onde amanheço
A ver o ser hipócrita ser nobre.



dos Anjos. Ilustração: múmia egípicia do período pré-dinástico.

sábado, 2 de maio de 2009

BILLIE, ELLA OU ELES






















Escuto vozes. Mas não essas do inconsciente atormentado
Mas as que a pouco sopraste desses teus olhos calados
Pra meus ouvidos falantes e coração quebrantado
De almas itinerantes em fás que fazes de conta que teem dó por si ao menos.

Faz de conta que as mentiras de outros tempos vicejaram
Em amores e cabanas suficientes... pro meu ar de "ainda não basta!"
E teu rosto de rei louco e concentrado no projeto de amar-me até o limite
Do que nunca acreditaste... mas fingiste - com talento em teu cesto de disfarces

Dorme em cama a meu alcance... pé fujão (já tá gelado!)
Numa imagem de menino de cabelos desconfiados
Recoberto de tecidos de ternuras tão antigas
Por minhas mãos de longos dedos... braço magro... espichado.

Na tv cena de beijos, talvez tão tecnizados que nenhuma língua ousada
Me convenca da verdade... dessas que hoje às dez e vinte
Te acordaram provocantes, intrusivas, debochadas de... teu sono sempre fácil
Contundentes de desejo em falicidades solares... corpo mole... mas nem tanto.

Penso então em convidar-te pra dançar no chão da sala
Em que gatos quase humanos tocam tuba e Billie, ou Ella,
Ou você, ou eu, ou eles... das gavetas das memórias...
Em que nossas ensaiadas delicadezas vulgares beatificam meu corpo.

Fluídos bentos de vontade.


Cado