segunda-feira, 31 de março de 2008




















É melhor falar aos ventos,
ou às paredes de meu quarto,
que falar à gente mouca,
que me cerca todo dia
com seu muro de palavras!...

PROTESTO MUDO


Marcelo Farias.

quinta-feira, 27 de março de 2008

Sobre a esperança

Quem é capaz
de tirar a esperança
de um homem?

Na queda do abismo,
fecha os olhos,
abre os braços,
na espera
da segurança
d'algum galho.

E sendo afogado
engole água,
esperando que nela
tenha pelo menos
um pouco de ar.

E até na morte,
quando tudo
que tinha que ser
já foi,
e não tem mais
como voltar,

ele morre sorrindo
porque vai viver
n'outro lugar.

E quem é capaz
de tirar a esperança
de um homem?

André Espínola

A TEMPESTADE


















Como algo que chega sem avisar,
destrói e detona tudo por onde passa
e abre as possibilidades para novos recomeços,
sinto-me existir.
Querendo remodelar tudo o que toco,
acredito ser a fonte de todo o poder
momentâneo
que busco ocasionar.
Não enxergo muito além de meus ventos.
Giro em torno de mim mesmo
e como toda tempestade que se presa,
perco minha força e desapareço aqui,
para,
quem sabe um dia,
reaparecer lá.


Beto Reis.

segunda-feira, 24 de março de 2008

dono da verdade


Lá fora chove forte, e eu aqui
Tentei em vão toda essa noite um poema,
Que paradoxalmente deveria ser "belo" e "meu".
Mas, falta-me ante o desespero de esperar-te
Palavras

Tudo o que emudece diz,
À sua maneira mascarada em desdém,
Um solitário e urgente "esperar",
De quando um dia seremos crianças
Daquelas que vemos andar de braços dados
Cantando um carnaval que não há

Um dia seremos crianças
Por que não? Sim!
Não é feio admitir sonhos tolos...
Seremos crianças confusas
Não saberemos dizer se são os pingos fortes dessa mesma chuva
eterna...
Ou se confetes de um carnaval melhor
Pois que será só nosso
Longe do perturbador!

Invejo a criança que
Sem descobrir ainda o empate, a tecla "pause", a cancela abaixada
É feliz nas "belles copies"
Usa máscaras de heróis
Canta desdenhando "Nãos" alheios

O "Não" que nos aparta
Passará
E voltará o carnaval
E cessará a chuva
E seremos Um

Nesse dia descobrirei porque nunca te dei esse poema
Pois verei que ele não me pertence
Esse poema é teu
E só por isso fez-se belo...

TEUS OLHOS

















mentem
umbrais

e eu

no céu
da
tua boca



Mruyel.

domingo, 23 de março de 2008

moças que não amo

1.
olhei atrás daquela cortina
pensando que aquilo era
um bicho,
peguei rapidamente o martelo!

cheguei perto na surdina,
não agüentando a espera.
que lixo!
era a moça do dente amarelo!



2.
pensei de passagem em pesar os prós
e quem sabe os contras
se valeria a pena ou não
namorar aquela pequena

não notei nada novo nem os nós
amarrando as pontas
da tira de tecido na mão
segurando a gangrena



3.
duvidas de minha sinceridade?
achas que não sou correto?
digo que pensas demais
digo que ages de menos
menina doce-de-amora!

e eu que nem sei sua idade?
nem o quão tua pureza afeto!
atrás dos coqueirais
atrás do monte de feno
dando a mamãe uma nora!

sábado, 22 de março de 2008

O PIOR DIA PRO DIABO

















Mote:

Pior dia pro Diabo
há de ser o do Juízo,
vai ficar desempregado!


(re) voltas:

Em meus dias de arrelia,
após tudo dar errado,
contra Deus volto m'nha ira,
perguntando amargurado:
_Senhor, qual então seria
pior dia pro Diabo?
O Senhor, que sabe tudo,
me responde irritadiço:
_Eu já tô ficando é puto
de tanto responder isso,
pior dia para o Cujo
a de ser o do Juízo!
Sabes tu que Satanás
de almas perdidas dá cabo,
mas quando Eu trouxer a paz
e tiver tudo acabado,
Dô-lhe um ponta-pé no rabo,
vai ficar desempregado!

Ah, ah, ah, ah!...



Marcelo Farias - Para Entender a Mágica.

quinta-feira, 20 de março de 2008

ESPAÇOS ABERTOS























Janelas do mundo.
Espelhos da alma.
Portais de sonhos.
Faróis de espernça.
Rios de amargura.
Sinais do caráter,
do poder
e da ilusão:
Olhos!

Beto Reis.

GOTHAM CITY























Prisioneira de mim.
Joguete dos Serafins.
Chafurdo no lodo do manguezal.
Mas não sou um siri.

Sou fruta madura.
Que esqueceram de colher.
E agora apodreço.
Sem ninguém nem perceber.

Nem os pássaros me querem.
Passei do ponto, esqueci de descer.
Quis a noite repousante.
Fizeram o dia amanhecer.

O fogo arde e queima
Mas não existe saída,
Pela porta principal.
Batman, onde está você?


By Ana Cristina

quarta-feira, 19 de março de 2008

VIDA























Vida vazia.
Vida triste.
Vida consumida.
Vida esquálida, tão pálida.
Vida alegre, danado moleque.
Vida de duas caras.
Vida escrava.
Vida sem sentido, sem brilho.
Vida sem rumo.
Vida sem tino.
Vida sem vinho, pobre Baco.
Vida sem vizinho.
Vida sem cor.
Vida sem carinho e calor.
Vida louca, louca vida.
Vida maldita, banhada em trevas.
Vida de luz, vida de anjo.
Vida concreta, vida fantasia.
Vida real, vida cruel.
Viver é preciso?
Tomara que não!

By Ana Cristina

terça-feira, 18 de março de 2008

PANIS ET CIRCENCIS
















Perca o dedo
que aponta
e o que deplora

o dedo
que ri

o outro que chora

Cômodo

com o dedo
que sobra.



Muryel.

segunda-feira, 17 de março de 2008

CANÇÃO DA PRIMAVERA
















Vago pelos campos em flor
A primavera caminha a passos largos
Logo chegará os raios do sol, o calor
Apenas os cumes das altas montanhas continuam brancos

Meu olhar vagueia perdido
Nem vê tamanha beleza
Meu coração está morto, sofrido
Invadido pela tristeza.

Meu corpo ressente-se de seus carinhos
Quando me roubava furtivos beijinhos
Sofro sem seus abraços calorosos
Fazem-me falta seus afagos amorosos

Perdemos-nos em meio ao caminho
Cegos pelo orgulho, sentimento mesquinho
Não há certo ou errado no amor
O amor a gente ama como se cuida de uma flor

Onde seus braços fortes?
Que me guardavam dos perigos diversos
Hoje caminho só
A mercê dos perversos

Seu amor é tudo que importa
Sem você fico louca, morta
A areia quente queima meus pés descalços
Mas continuo cega, em seu percalço.

Minha alma é frágil como cristal
Que pode, em segundos, transformar-se em cacos
Mas a armadura que envergo
Esconde a dor profunda que carrego

Quem pode salvar-me?
Onde o alivio sincero?
Onde está você, meu amor?
Que é tudo que mais quero.

Continuo a caminhar, sem forças
Mas meu espírito é persistente
E vou te achar seja lá onde for
E te darei meu amor para sempre.

By Ana Kaya Cristina

BABY BOOM


















Se a dor não fosse recente,
como mostram as cicatrizes,
talvez houvesse motivo
pra eu gostar do céu nublado.
Uma centelha de Sol,
sob a sombra de um destroço,
faz a vez do arco-íres
nesta arca abandonada.
E o Sol é tão brilhante,
é tão quente e radiante,
que amarelo e azul prefiro
para abrir todas as cores.
Vamos pôr flores nos postes,
talvez eles pareçam árvores.
Um Natal antes do tempo
pra quem já ressucitou.
O bonde anda nos trilhos
e o passeio é tão bonito!
Vamos chamar as crianças
pra fazer o carnaval
e levar o rádio ligado
pra tocar no coração.



Marcelo Farias - Ultramodernidade. Ilustração: menino sobre escombros em Varsóvia, durante a Segunda Guerra.

sábado, 15 de março de 2008

das sortes do mundo


queria ter um filho
um filho é a máxima expressão do que se foi
do que se gostaria de ser sempre
um filho resolve a si e a mim

queria ter um filho
metonímia de mim mesmo, sorriso aberto
que se pusesse a rir para me fazer esquecer
que as minhas escolhas foram péssimas
menos ele

queria ter um filho que me enxergasse
não como o homem que lhe guia
guiar não é trabalho que o valha
dava-lo ao cão pastor e feito estava o trabalho
me visse como o herói que não sou
para o mundo que não carece de tê-los
mas o filho vê o que não vê profeta

queria ter um filho
e acreditar que se é feliz quando alguém te diz que é
pois felicidade rareia por essas bandas
queria ter um filho
para me por de novo na vida que é só vida
mas que às vezes esqueço
que é preciso estar de pé
pra balançá-lo no que ele chama "balango"

queria ter um filho pra me ensinar que
a vida não é só trabalhar
mesmo que seja para pô-lo em dia com o bem estar
ele sabe que é assim
"mas pra que tanto?" diria
e eu, cansado, esgotado,
teria energia para correr atrás dele pela casa

queria ter um filho
porque o que se quer
é ser para alguém a sorte que o mundo não te foi
não me deixou ser
queria ter um filho...

Sobre quando o céu desaba


Quando o céu desaba
e as nuvens caem
feito escombros,

pra mim tu és como Atlas,
e carregas meu mundo
nos ombros.

André Espínola

sexta-feira, 14 de março de 2008

LOUCO DESEJO - FELIZ DIA DOS POETAS























Doce ser angelical,
Que povoa meus pensamentos,
Que provoca desejos pungentes,
Desejos novos e talvez até obscenos,

Lindo anjo com cabelos tão claros,
Que caem como cascata de ouro em meu rosto cansado.
Num carinho tão meigo e puro.
Que aos olhos de Deus, nada tem de profano.

Este carinho pulsante,
Este calor em meu ventre.
Esta ânsia de ti.

Sinto a maciez de suas mãos delicadas.
Mãos tão pequenas e suaves,
Mãos tão fortes, mas serenas.
Estas tuas mãos, que aplacam minha dor e me enchem de calor.

Este teu cheiro de Lua,
De terra molhada de chuva.
Este desvario que me assola,
Quando percorres meu corpo, em carinhos singelos.

Não pode ser impossível ou proibido,
Um amor assim tão delicado.
Que em mim despertas,
Toda vez que me tocas.

Sonho com o sabor de teus lábios,
Com a textura de tua pele tão clara.
Que quero sentir em minhas mãos,
Que desejo de forma tão rara.

Em meus desvairados sonhos,
Nossos lábios se encontram num longo beijo.
E eu extraio de ti um gemido.
Quando minha boca cobre teu seio.

E tu finalmente te entregas,
Livre para viver esta suave paixão.
Que é eterna neste momento.
De total entrega e submissão.

Deixe que minha boca sinta teu sabor.
Não fujas, não temas, não tenhas pudor.
Entregue-se a estas sensações,
Deixe eu me esquentar no teu calor.

By Ana Kaya Cristina

Uma Quarta-feira Atípica














Enfim um acontecimento real que valha a pena ser narrado aqui: A porta da van caiu.
Saí de casa pouco depois das 6:30, entrei e sentei em um dos poucos lugares que restavam no veículo que me leva à cidade de Xanxerê diariamente. Depois de mim, entrou na van outra menina – que devia ter acordado de mau humor – e fechou a porta com tanta força que a mesma caiu. Caiu!
É um daquele veículos brancos, feios, cujos bancos são completamente desconfortáveis. 90° mesmo. A lotação máxima é de 16 pessoas mas, não me pergunte como, acomodamo-nos em 21 alunos lá dentro. Um calor humano do caralho.
Quando ouvimos aquele barulho estranho de “porta caindo”, nos entreolhamos intrigados, sem saber se daríamos uma gargalhada ou nos desandaríamos a chorar, qual a menina responsável pelo feito já fazia.
O motorista resmungou algo que não entendemos (mas que deveria ser uma palavra feia) e saiu de seu lugar para tentar – em vão – ajeitar a porta que se encontrava dependurada. Deixou-a e saiu, rumo à oficina mais próxima. Andados uns 20 metros, a dita cuja caiu de novo. O “motora” rosnou e pediu que alguém a ficasse segurando. Sentou-se perto da pseudoporta um dos meninos do segundo ano.
O motorista ligou para alguém, pedindo que fossem buscar os outros alunos; e seguiu para um lado da cidade no qual eu nem sabia que existia vida. Chegamos à oficina mecânica e em 10 minutos a porta estava em seu devido lugar.
A menina ainda chorava e havia pedido meu celular emprestado para ligar para o seu pai e, nervosa, contar o acontecido.
O clima na van estava tenso há dias e o acontecido seria o fim da harmonia existente (peraí, que harmonia? Aquela van é uma zona, gente. “Aumenta o volume” grita um “coloca o meu cd”, grita outro. “Desliga essa coisa logo” grita outra, no caso, eu). Como os lugares são poucos e o alunos muitos, os menos ágeis ficam nos piores lugares ou nos banquinhos (nome carinhoso dado aos assentos móveis que são colocados nos espaços do pequeno corredor, quando faltam lugares).
Findo o conserto, passamos na casa de uma menina do primeiro ano, onde se encontravam os sete alunos restantes. O engraçado é que não havia mais nenhum lugar vago. Ajeitaram-se como puderam e seguimos, pouco atrasados.
Durante o percurso que leva, no máximo, 20 minutos, passamos por uma camionete em cuja caçamba havia um porco. Um porquinho, assim, rosa. Bonitinho, se não fosse um porco. Foi aí que eu me lembrei que morava, sim, no velho oeste catarinense.
Começou uma discussão entre os alunos que são de colégios diferentes que, como alunos absolutamente aplicados e interessados, queriam chegar atrasados. Como as meninas do segundo ano tinham prova, chegamos ao colégio apenas 4 minutos depois do sinal. E nem deu pra eu matar aula. Mais um dia se passa e há menos possibilidades de eu matar aula até o fim do meu ensino médio.
E mais uma crônica termina sem um final adequado.


- Duda de Oliveira.

quinta-feira, 13 de março de 2008

SILÊNCIO



















Diante de tua mudez e desprezo,
Fecho-me em silêncio contido.
Quando minha vontade é gritar teu nome mil vezes, ao vento brando do anoitecer.
Amo-te! Amo-te! Amo-te!
Por que me abandonaste, amado meu?
Por que não mais teu doce carinho?
Em triste confusão, penso em desistir deste amor.
Mas como esquecer metade de mim mesma?
Como fingir que não sinto nada, quando tua simples aparição faz meu coração bater tão intensamente?
Rimas esparsas povoam meus pensamentos, enquanto tento em vão conciliar o sono.
Meu coração explode em chamas rubras, vertendo o sangue que a ti pertence.
Maculando a pureza deste sentimento tão imenso.
E, ainda em silêncio, sigo pela noite. Envolta em brumas.
E, em silêncio, morrerei ao amanhecer.
Apenas uma lágrima, antes dos raios fatais.
Uma lágrima silenciosa que simboliza todo meu amor e dor.

By Ana Kaya Cristina

quarta-feira, 12 de março de 2008

O UNGIDO
























Em Xapuri

profeciam
seringais

de que
se for Chico

será Mendes.


Muryel.

terça-feira, 11 de março de 2008

UMA CANÇÃO




















Deita aqui, amor,
meu braço estende e te acolhe.

Volta teus olhos
à beleza que se faz
na lascívia e ócio nosso.

Suspenda os dias
que consomem as horas
da vida efêmera e venha.

Deixa lá fora
a razão infame, as culpas e as putas.

Deita aqui, amor
sem desperdício, seja meu vício.


Ivonefs.

Robert de Itamaracá



Não sei se estou tão bêbado,
Nem muito menos
Se isto é puesia,

Mas me sinto
Um blues de Johnson
Numa ciranda de Lia.

André Espínola

segunda-feira, 10 de março de 2008

A HISTÓRIA DO DIVÓRCIO























Tarsoswald, a entidade, jamais imaginou que uma fruta da terra pudesse dividí-la ao meio. - péde Pagu, Oswaldinho! pé-de-Pagu!



Anderson H. Ilustração: A Negra - Tarsila do Amaral.

A ANCIÃ






















Detrás desta pele ressequida,
Ainda bate um coração, ainda pulsa a vida.
Ela insiste e persiste, mesmo quase morta.
Não, por favor, não, não feches a porta.

Sei que minha aparência sofrida,
Meu corpo deformado pelo tempo e coberto de chagas,
Afasta-te, enoja-te, enche-te de asco.
Sei que quando me vês, te causo repulsa.

E meus olhos te seguem enquanto caminhas,
Espreitam-te na escuridão, enquanto te banhas.
Desejam-te, imploram-te um pouco de carinho.
Mas tu te negas e foges de meu caminho.

Olhas apenas a casca envelhecida,
Mas não conheces a alma, que te ama embevecida.
Quem dera pudesses entender, quem dera.
Não viveria sozinha, envolta em quimera.

Um dia, também tu sentirás na própria pele,
O peso dos anos, do tempo infinito.
A avassaladora dor da solidão, que queima e fere.
Não mais a beleza nem juventude, também tu serás um maldito.


By Ana Kaya Cristina

COM FIANÇA DE FÉ






















É preciso acreditar nas ciganas,
no jogo dos búzios,
na borra do café,
no pai de santo,
nos rituais do candomblé.

Contenta também umbanda,
ou se preferir, no padre,
no bispo, no pastor,
nas imagens,
na puta que pariu!
um menino desnutrido...

É extremamente necessário acreditar
no desconhecido sorriso
que deseja bom dia,
na esmola que veio demais
e também na desconfiança
que a caridade nos traz.

Acredite nos brancos
e nos pretos,
amarelos e vermelhos
e nos seus corações
que podem ser bons
e também o contrário.

Acredite na intuição,
no poder da oração
e da palavra.

Acredite no tudo,
na dor do luto!
Assim evita-se
a crença no nada.

Seja o seu maior entusiasta
e creia no que achar que deve
exceto na descrença.

Não devemos esquecer,
pois seria desavença:
a puta pariu um menino desnutrido
que também precisar crer.


Bárbara Leite.

domingo, 9 de março de 2008

IN BLUES
























Tua boca
é sempre antes...

no tapete da sala
a luz amarela do abajour
esfria meu semblante

e molhada
gozo a presença
impressa na pele

(blues)

...tua língua me banha.


Ivonefs.

sexta-feira, 7 de março de 2008

POEMA FRANCO























Quero, desde já, deixar claro
que aqui não se lerão palavras fáceis.
O cinismo não terá lugar neste poema franco.
Sei que escrevo um monólogo,
mas em verso é assim que as coisas são!
Se arrogante ou aristocrata pareço,
saiba que, burocrata, nunca!
Labirintos não farei para te perderes.
Feijões não contarás exaustivamente.
Não abrirei um sorriso falso,
nem inventarei humildade
com o único propósito de humilharte.
Os salões do Olimpo humano não me interessam,
pois neles não há deuses, mas condenados.
Quem acha que a beleza é carregar um fardo,
não sabe contar as estrelas, nem flutuar no azul.
Um paladar sofisticado pode abortar um banquete,
mas a ceia dos bardos é capão com vinho.
Se porcos comerei o farei com alegria
e com mãos oleosas tocarei bandolim.
A paixão mais carnal moverá meu canto,
transbordando encanto,
sublimando feras,
revelando esferas por detrás do céu
e quando por fim, a manhã chegar,
seguirei caminho para encontrar o sol.



Marcelo Farias - Ultramodernidade. Ilustração: Fernando Pessoa.

quinta-feira, 6 de março de 2008

RUBRA

















Essa rebeldia oculta
desdobrando ressentimentos
é uma selvagem obscura
latente em pensamentos.

Eu escondo entre meus
mais difíceis recintos
esse ser obtuso e desmembrado,
confuso, caótico,
dolorosamente marginal,
arduamente indefinido,
mergulhado em cores difusas.

Essa rebeldia rubra e remontada
na epiderme
e no sensível da superfície
penetrando doido e doído.

Essa histeria revoltosa,
essa rebelião de cores tempestuosas,
duras e sem mácula
é uma dor que de fora paresse prazer,
mas é sofrimento desmedido e refreado.

Rebeldia oculta, selvagem e obscura
me impulsiona indefinivelmente
para a margem da luz.



Pollyanna Furtado.

terça-feira, 4 de março de 2008

Da Criação (Exílio de Deus)


Quando o céu engoliu o dia,
A terra vomitou
A noite.

Quando a montanha
Mórbida e sedentária,
Engordou,

O mar fazia regime,
Enchia e secava.

E quando deus
se cansou
De criar estalando os dedos
Deu ao homem a palavra.

Que se vingou.

Fez-se montanha de medo,
Vômito de poesia,
E oceano de segredo.

André Espínola

ESQUECE - Ou, a metafísica do casamento

















Essas coisas me deixam cansada da vida, sempre que vejo no espelho... O que tem o espelho, mulher? O espelho, o espelho nada. Mas olha pra mim, olha pra mim e me diga... diga... Dizer o que? Que hoje você acordou toda... Toda o que? Fala! Acordei toda o que? Por que você não fala? Acordei toda o que? Você é muito assim... Assim como? Assim, meias palavras, palavras e meias. Nunca diz nada de real valor! Você também! Eu?!... Sim! Você sempre vem com ladainha, resmungando, se lastimando! Mas eu só quero que você olhe e me diga! Dizer o que? O que quer que eu lhe diga? Se vai se sentir melhor eu digo, porra! Não precisa ser rude! Não dá pra falar com você! Um... um... Um o quê? O que sou agora? Eu estava quieto, quieto no meu canto. Você reclamando com o espelho, ou do espelho... Acho que devo ser padre, ou psicólogo. Eu só quero ficar quieto, ouvir o som do nada. Não ri... não ri... É sério!... Ri! Parece louca! Ah! Viu, me acha louca! Claro! Claro que acho! Me olha, não me beija, não me toca, mas me interroga de coisas abstratas, sem fundamentos, cheia de metafísicas! Sai fora! Num dá! Você quer que eu diga o que? Fala que eu te digo e pronto! Assim você sossega! Sim, mas deixa pra lá! Não sei mais se é da gordura ou das dívidas. Esquece.




Flávio Mello.

segunda-feira, 3 de março de 2008

RITUAL FATAL - 1o lugar no concurso do Vale das Sombras - conto























Era uma pequena vila de pescadores a beira mar. Viviam em pacata felicidade, longe da civilização moderna.
Tinham ainda cultos e rituais antigos, herdados dos antigos ancestrais.
Nesta noite de lua cheia, um vulto destacava-se no alto das pedras do mirante. Usava uma capa negra, que esvoaçava ao vento. Parecia esperar algo ou alguém.
Lá embaixo, na areia da praia, Petra caminhava, alheia ao movimento do festival.
Todos os meses, durante a lua cheia, os aldeões acendiam fogueiras na praia e depois de danças e músicas, deixavam um carneiro amarrado, em oferenda aos antigos Deuses da fertilidade e da abundancia.
Fato era que, ninguém sabia o que acontecia com o carneiro, mas quando o dia amanhecia, ele não estava mais no lugar em que havia sido amarrado.
E a aldeia continuava sua jornada, parindo novos filhos e pescando e plantando tudo que necessitavam para a subsistência diária.
Nesta noite, a lua estava particularmente bonita e brilhante e Petra não resistiu ao impulso de caminhar a beira mar. Era como se estivesse pisando na lua redonda e prateada. Como se andasse no céu.
Todos os habitantes da aldeia, em noites como esta, não saiam de perto das fogueiras e, logo que o festival terminava, entravam em suas casas como se temessem algo desconhecido.
Petra era uma mulher muito teimosa, e não temia a escuridão.
Não ouviu os gritos de seu pai que a alertavam para que não se distanciasse de todos. Continuou caminhando, alheia ao perigo, pensando em sua vida tranqüila e no futuro que a aguardava em breve.
Seu pai havia prometido sua mão, em casamento, muitos anos atrás quando ainda era uma menina. Era este o costume. Petra não amava o seu futuro marido, o achava velho e feio. Mas seria obrigada a aceitar a vontade de seu pai. Era assim que sempre tinha sido. Foi assim com sua mãe, sua avó e todas as mulheres que conhecia.
Mas Petra não aceitava aquela imposição, sempre sonhou em casar-se por amor com um lindo homem, forte e viril.
Caminhava, perdida em seus pensamentos, e não notou que estava sendo observada. Olhos noturnos e vermelhos observavam sua caminhada. Olhos que não perdiam um único movimento. Olhos de admiração.
Petra era muito bela, longos cabelos claros, olhos de um verde quase transparente, um corpo perfeito, pele macia e branca como a neve. Seus lábios muito vermelhos e cheios. Seios fartos.
Muitos homens a desejavam, mas todos sabiam que ela já estava prometida ao Duque Dimaggio, dono das terras onde os aldeões moravam.
Absorta, continuou caminhando pensando no grande amor que nunca teria e no que teria que agüentar o lado daquele velho asqueroso.
Sentou-se na areia, observando o brilho prateado nas ondas que chegavam a praia.
De repente, ela ouviu um ruído as suas costas e virou-se alarmada, quem poderia ser?
Seus olhos encontraram-se com os olhos mais intensos que ela jamais havia visto. Era um belo homem, alto, forte, longos cabelos negros que voavam com o vento. Ela não o conhecia, mas ele era maravilhoso e não parecia perigoso. Estava muito bem vestido, com roupas finas e de corte desconhecido. E usava uma longa capa negra que emprestava uma aparência misteriosa ao todo. Ele a olhava intensamente, ela podia ver o brilho de fogo em seus olhos.
Algo naqueles olhos a atraia, a hipnotizava. Seu coração batia descompassado dentro do peito. Seu peito arfava, o ar entrando nos pulmões em pequenos solavancos.
Quem seria este homem?
Lentamente ele se aproximou de Petra. Sorrindo.
Ela estava paralisada. Suas pernas não conseguiam se mover.
Ele chegou ao lado dela, ainda olhando dentro de seus olhos. Seus braços se abriram e ela caminhou os poucos passos que os separavam e se deixou envolver num longo abraço.
A pele dele era fria, mas seus lábios eram quentes e ele beijou cada milímetro do rosto de Petra. Ela usava uma túnica branca e transparente, a túnica ritual. Não usava mais nada por baixo da túnica. O vento modelava seu corpo embaixo do tecido.
As mãos do estranho iniciaram um passeio por seu corpo deixando-a em brasas. Nunca ninguém a havia tocado daquela forma. Ela era virgem.
Esquecendo-se do perigo e até de quem era, Petra deixou que o estranho a tocasse intimamente. Suas mãos de longos dedos apertaram a maciez dos seios rijos, apertando de uma forma bruta, com ânsia, deixando os bicos duros quase furando a leve túnica.
Desceram pelas costas, pelas nádegas, enquanto continuava beijando sua boca ávida.
Petra nunca havia sentido algo assim em toda sua vida. Ela esqueceu do mundo, do noivo, da família, nada mais importava. Deixou-se levar por aquele estranho homem.
Ele fez com que ela se deitasse na areia e deitou-se ao lado dela, mas numa posição que suas mãos continuaram percorrendo o corpo tremulo. Sua mão gelada levantou a túnica, expondo seu corpo a luz da lua e aos olhos vermelhos que a fitavam com cada vez mais intensidade.
Suas mãos passearam pelas pernas bem torneadas, subindo até as coxas grossas e firmes. Petra gemia baixinho. A mão fria encontrou o ponto quente e úmido entre as pernas dela e ali iniciou carinhos desconhecidos até então. Petra sentiu um dedo penetrando-a, aproveitando-se da lubrificação natural. Um dedo que entrava e saia, rápido, certeiro. O mundo rodou. Petra arqueava os quadris, chorando e rindo, completamente entregue aquele homem maravilhoso.
Os dedos ágeis e molhados da paixão dela, encontraram o ponto certo logo acima de sua entrada lubrificada. Petra gemeu alto, agora implorando para que ele não parasse.
O homem beijava sua boca, com uma língua fria e exploratória enquanto seus dedos a faziam soluçar de paixão.
E no momento que Petra chegava ao clímax, num grito de prazer, o homem misterioso abaixou-se sobre ela e sorriu.
E neste sorriso Petra viu o que a aguardava. Ele não era apenas um homem misterioso, ele era um vampiro.
As presas brancas brilharam ao luar antes de enterrarem-se no pescoço alvo e puro.
Toda sua vida passou diante de seus olhos, seus pais, seus irmãos, sua pequenina casinha e até o seu compromisso com o duque. Ela sabia que não sairia viva dali.
Seu primeiro momento de prazer supremo seria o ultimo. Sua vida se escoava para dentro da boca daquele ser monstruoso.
E num ultimo suspiro ela perguntou:
_ Por que?
_ Você é uma oferenda muito melhor do que os carneiros que me deixam.
E então ela soube que estava sendo sacrificada pelos deuses ancestrais.
Os pais de Petra perceberam que ela não se encontrava ao lado deles durante o antigo ritual. Mas pensaram que ela deveria estar em casa dormindo.
Naquela noite, pela primeira vez, o carneiro amanheceu na praia, intacto.
Mas Petra, ah Petra nunca mais foi encontrada.

By Ana Kaya, the vampire

AMOR DE VAMPIRO - 2o lugar no concurso do Vale das Sombras





















Quem dera fosse digna deste amor tão puro que me dedicas.
Minhas noites têm sido tão frias e solitárias.
Quem dera em meu peito, ainda ardesse sentimento tão belo.
Mas na passagem dos anos, dos séculos, perdi de vez o elo.
Quem dera pudesse te amar, te dar meu corpo e minha alma.
Mas meu corpo está morto e minha alma entregue ao Demônio.
Quem dera sentir teus lábios molhados, tê-lo nu e inteiro em minha cama.
Mas meu corpo está frio como a morte e vai te afugentar de meu domínio.
Não, não quero teu amor obtido á força.
Não quero usar de meus poderes fantásticos.
Queria ver em teus olhos, a chama que dança.
Não este amor de mentira, de olhos apáticos.

Suprema dor da eternidade obtida.
Desta vida de terror, desta vida perdida.
Sonhei ser a rainha das sendas noturnas.
E eis-me aqui sozinha, reclusa nas brumas.

E me espanto com a capacidade que tens de me amar.
Mesmo que teu rosto me mostre o asco que sentes.
Sei que teu coração está em minhas mãos ardentes.
Posto que o amor é mais forte, é belo Avatar.

Teu coração guerreiro, enxerga atrás desta muralha fria e soturna.
Mas não pode alcançar minha alma perdida.
Tenho que ir agora, mesmo que sangre a ferida.
O sol já vai nascer, trazendo a morte para quem já perdeu a vida.

Adeus amor, adeus para sempre.
De este amor tão imenso a quem realmente o mereça.
Não chores por mim.
Não vertas lágrimas, não padeças.

De nada vai adiantar tua dor.
Sou um ser da escuridão.
Destinado a servir ao terror.
Sem beijos, sem glória, só tendo a solidão.

By Ana Kaya Cristina

DE VOLTA ÁS ESTRELAS - 1o lugar em posias no Concurso de 2o ano do Vale das Sombras


















Quando, neste mundo minha alma pousou relutante,
Já sabia, que longe de ti estaria, e isso me era revoltante.
Mas, com o choque da luz em meu rosto, cortante.
Simplesmente esqueci e abracei a energia mutante.

E nos braços ternos de minha mãe, embalada,
Cresci feliz e completa, de nada desconfiava.
Ainda alguns anos de felicidade me foram doados.
Meu destino, pelos deuses perversos ainda guiado.

E foi quando meu tormento teve inicio.
Tudo que tinha e amava caindo num precipício.
E fui ao inferno, guiada pelo senhor da escuridão.
E voltei a Terra, mais sábia e com minha missão.

Minha mente desabrochou, agora desperta.
No fundo de meu coração surgiu a centelha divina.
Meu corpo, até então intocado e virginal.
Agora clamava, gritava, exigia.

Em vários receptáculos procurei por tua alma imortal.
Alma que eu sabia e sei, me completaria de forma total.
Enganos, desencontros, mal entendido mortal.
E nem sei se nunca te achei ou se o erro foi fatal.

E nos anos que se seguiram, até hoje, continuo nesta busca infinda.
Sei que existes, paixão de minha vida, metade de mim.
Posso te sentir em todas as células deste corpo, desta alma sem fim.
Não é possível que o demônio me tenha enganado com promessa tão linda.

Sei que existes de verdade, que não foi uma mentira ladina.
Sinto-te, te anseio, te busco, te sei minha sina.
Mas onde te encontras, grande amor de minha vida?
Pois já não vivo, morro a cada dia desde minha partida.

Clamo aos mesmos deuses, todos eles malditos.
Que me levem daqui, deste paraíso mentiroso.
Quero morrer, sim, e voltar a viver em teus braços macios.
Quero sair deste corpo e voltar às estrelas, acarinhada por teu sorriso.

By Ana Kaya Cristina

domingo, 2 de março de 2008

Lodo Vivo

















Abaixo a coisa do tempo medido
que prende aqui
prende ali
não solta!

abaixo a discrepância do espaço psicológico!
que pega no pensar
uma praia
fugidia...
e transforma no ponto chave da narrativa

abaixo o narrador onisciente
abaixo o narrador testemunha
abaixo o narrador "terceirapessoa"
abaixo...

abaixo o clímax indevido
fora de hora
impreciso
dono de resposta que a leitura prazerosa não pede.

abaixo o literato que,
dono de si,
acha respostas onde nem o perguntante as busca

abaixo a literatura que não é paixão
não comove e
se move
como se da prova-dos-nove
tirasse a beleza

abaixo a estética que não
prova,
não desova
não se renova
num querer lúdico de se fazer inovar...

Todas as noites são iguais























Passo o dia planejando dormir cedo. Deito-me, vitoriosa, a meia noite. Quinze minutos se passam e eu me levanto pra fazer xixi. Deito. Recebo uma mensagem de texto. Meus olhos se assustam com a luz do celular. Volto a fechá-los. Passo meia hora imaginando conversas que nunca existiram.

Falo sozinha, brigo comigo, xingo-me de alguma coisa e peço desculpas a mim mesma. Prometo parar de encher meu saco. Rio de mim e me viro na cama. Quase cochilo. Levo um susto e me levanto. Vou até o banheiro, e depois até a cozinha. Abro a geladeira e não encontro nada que satisfaça a minha imensa vontade de sei-lá-o-quê. Chego a conclusão de que eu gosto do que não existe. E o pior é que eu acabo nunca dizendo o que eu quero dizer. Se isso é o problema ou a solução eu não sei, mas depois de muito meditar, resolvi editar tudo o que o coração me ditar.

Devaneios à parte, resolvi deitar novamente. Mal soltei meu peso sobre a cama e me veio um estalo. Já passava das três. Levantei-me de novo e o encontrei: o chocolate. Quebrei um generoso pedaço e voltei pro quarto. Tornei a apagar a luz e - sem escovar os dentes - dormi.



- Duda de Oliveira.

BETO - EM ESTROFES


















Pele morena
a minha se faz,
cor bem serena
na guerra
ou na paz.

Olhos castanhos,
no espelho vi
todos e estranhos
com eles
eu vivi.

Negros cabelos
na noite os colhi.
Parcos modelos
da vida
daqui.

Versos tolos
de mim.

Beto Reis.