quarta-feira, 23 de junho de 2010

O CUPIM





















Enquanto o cadáver
político de Arruda apodrece
seu coração de rapina
recebe um cateter


Bento Calaça

quarta-feira, 9 de junho de 2010















Cara de palhaço
Pinta de palhaço
Roupa de palhaço
Foi este o meu amargo fim!...

PALHAÇADA - Haroldo Barbosa e Luiz Reis


Entrei no melhor da festa,
embora muita porrada
rolasse nos bastidores.

A princípio não foi fácil
ajustar-me ao picadeiro.
Nunca estivera lá antes,
sequer havia ensaiado.
Fora mesmo ali jogado
pra fazer o show na marra.
Foi barra, mas levo jeito:
Me acostumei a apanhar
e a levar chutes na bunda
_o trivial de um palhaço...

_Quanto à minha integridade?!...
Esta era preservada
pela espessa maquiagem
que cobria minha face.

Tudo então corria bem:
A platéia toda ria,
a criançada aplaudia
e eu no palco me fodia,
sem temer humilhações.

_Sabe que até pensei
em seguir esta carreira!...
Parecia ser perfeita
para a minha atuação.
Se o cara que cospe fogo
não tivesse se empolgado,
talvez tivessem me alçado
ao grau de grande atração.

Mas meu sonho durou pouco,
queimou e virou fumaça...
Pois o circo pegou fogo!...
Não achei a menor graça!

Todo aquele desespero.
Toda aquela correria.
Queimei até meu cabelo!
Rasgaram-me a fantasia!!!...
E sabe o bom da piada?!
Que não vão me pagar nada!
Não vão dar, nem de bondade,
salário insalubridade!
Cadê a carteira assinada?!...

Resta só meu desabafo.
Resta só o que eu lhe digo...
E agora, doutor, quê que eu faço?...
Só sei trabalhar em circo!...


RELATO DE UM PALHAÇO APÓS O CIRCO PEGAR FOGO



Marcelo Farias

sábado, 5 de junho de 2010

DON JUAN DE SAIA























Me pegou de mão cheia
Dona Joana
Escravizou meu olhar
Me submeteu aos martírios
Mais torpes da carne
Amor cego
Paixão servil
Dona Juana me seduziu
Até meus filamentos
Me botou de quatro
Me introduziu sabores
Lançou-me aos vícios
Depois aos laços
Puxou-me os tapetes
Me deixou aos pedaços
Na abstinência febril
Enlaçou meu quadril
Em movimentos sedentos
Levantou-me as saias
Caiu de boca
Lambeu meus olhares
Até me molhares
Com sua lábia lasciva
Se fez minha Dona
Juana
De chicote nos freios
De frieza voraz
De gelo seco em saliva vulcânica
De desprezo no silêncio da voz
Juana foi meu pior algoz


Tathiana Treuffar

sexta-feira, 4 de junho de 2010

PRIMEIRAS LEITURAS






















a nuvem passou veloz.

vinha em forma
de coelho.

atrás dela, outra:

flocos brancos
de serpente.

a criança apontou o dedo.
afiançou: o coelho foge.

ontem fez três dias.
o coelho não tornou.

afiançou novamente a criança:
céu puro, coelho vivo.

não sei da leitura das nuvens.

perdi horas de frases inteiras.

quisera saber do verbo
como sabem
as crianças da roça.

de manhã vi a serpente.
o ventre carregado.

arrisquei: aposto que chove.

não choveu
e a criança se riu.

se riu de meus olhos homem.

não era cobra.
era Santo.

Santo forrado de pão.

corei de pecado burro.
fiz o sinal da cruz.

não carece, disse a criança,
esse santo não chove nem molha.


Anderson H

quinta-feira, 3 de junho de 2010

VOMITANDO TINTA NO PAPEL
















Judas
foi o apóstolo que mais amei.
Foi Judas quem me pariu.
Nasci de uma caixa de música
triste
como a dançarina que pula da caixa
de Pandora
dançando e fingindo nada importar,
embalando o sonho de uma criança
qualquer,
abrindo e fechando,
repetindo a música chorada,
repetindo a dor guardada
e sentida solitariamente.
Quando a corda quebrar
e a bailarina parar
o silêncio tomará o rumo do nada.
Que um dia bíblico transforme em
paz
o que existe.
Trombetas soarão,
vermes viverão solenemente.
Que o juízo seja eterno,
que todo o mal feito
transforme o choro em sorrisos
sinceros.
Espero arduamente
a corda quebrar.


Jalna Gordiano.

terça-feira, 1 de junho de 2010

BARBARA



















Londres, julho de 1975.

_Olha, eu não sei mais o que fazer... A senhora tem de me ajudar. Disseram-me que a senhora podia me ajudar, por isso estou aqui. Desculpa o infortúnio e o fato de eu estar chorando aqui feito uma idiota na sua frente... Mas no início eu pensei que estivesse sendo mesmo uma tola, me amedrontando com uma casa velha, como faz uma menininha de 8 anos... Mas não. Desde que começei a morar nessa casa, venho vendo essa garota ruiva... Ela me assusta.
_Calma, querida... Você não é a primeira moradora a reclamar da casa _disse a velha arrumadeira com seus olhos de pálpebras cansadas e quase 100 anos de idade. _Tome... beba uma xícara de chá... _encheu e estendeu a xícara, com a mão trêmula pela idade, à chorosa loira de 28 anos. _Você tem filhos?
_Não... _responde Helen, virando a xícara nos lábios.
_Graças a Deus!...
_Por que?...
_Porque o ser com quem você está lidando é um dos piores demônios do inferno. Pode não apenas fazer mal a você, mas a seu marido e poderia fazer mal a seus filhos e filhas, se você os tivesse.
_Ghn!... _engasga-se Helen e põe a mão na boca.
_Escute... Desde a morte de Elizabeth, em 1931, que todos os que se aventruram a morar nessa casa tiveram de se defrontar com Barbara.
_Barbara?!...
_Sim. Este é o nome da menina que você tem visto e não me surpreende que esteja perturbada.
_Quem é, ou quem foi esta menina?
_Barbara apareceu naquela casa pela primeira vez em 1884, junto com Eleanor, sua mãe. Ainda lembro de vê-las chegando em meio à névoa, no jardim. Eu estava na janela, desobedecendo minha mãe, que então era arrumadeira e me mandara pegar lençois limpos. Eu tinha 8 anos completos. Eleanor fora prostituta e o senhor Morgan, meu ex-patrão, tivera um caso amoroso com ela durante vários anos _segundo a própria Eleanor contava _desde 1875. Barbara nasceu um ano depois e ele a registrou em seu nome, embora ninguém tenha sabido disso antes daquele Natal.
_Natal?
_Sim, foi na véspera de Natal que Eleanor apareceu na casa, debaixo daquele nevoeiro, trazendo a pequena Barbara pela mão. Joseph, filha de Jojo, a cozinheira e meu amiguinho e confidente _a gente tinha um namorico _riu-se a arrumadeira _veio correndo me contar que a mulher queria falar com o patrão e que parecia sério. Foi minha mãe quem a atendeu e depois e chamou o Sr. Morgan. Todos nós notamos a surpresa nos olhos dele quando ele a viu com a menina. Dona Isabel ficou muito chocada, não dava nem para ele disfarçar a situação, estava tudo muito claro.
_Eles eram casados há muito tempo?
_Desde 1871, o que deixa claro que ele era um adúltero. Eleanor não era nenhum caso anterior ao casamento.
_E o que ele fez naquele momento?
_Ele conversou com Eleanor á sós. Ela estava passando por necessidades. Ela saiu dali com a menina uma hora depois, tempo suficiente para deflagrar uma guerra. Dona Isabel fez um grande escândalo e chegou mesmo a chamar o Sr. Morgan de coisas que não devo repetir.
_O que aconteceu a parti daí?
_Eleanor e Barbara apareciam esporadicamente, para pedir ajuda financeira. Toda vez que isso acontecia, a casa praticamente se incendiava.
_Até quando esta situação durou?
_Até dona Isabel tomar veneno em 1887. Foi um choque para todos, sobretudo para os filhos. Elizabeth foi quem ficou mais revoltada. Ela odiava Eleanor e, principalmente, Barbara.
_Meu Deus!...
_Mas as coisas ficaram muito piores. Um ano depois, o Sr. Morgan casou-se formalmente com Eleanor e a levou para morar com ele.
_Então você chegou a conviver com Eleanor!...
_Sim. Ela era uma pessoa muito doce e frágil. Já estava doente quando chegou na casa, ela tivera complicações no parto de Barbara que não foram bem tratadas, estava com câncer uterino.
_Que horrível!...
_Eleanor ainda conseguia conter um pouco o espírito mal de Barbara, mas sua influência acabou em dezembro de 1888, quando ela morreu. Barbara sempre foi uma criatura de espírito ruim. Era má, ordinária e mentirosa.
_Influência do abandono do pai?...
_Não. Ele a visitava várias vezes por ano, desde que nascera. Ele sempre inventava uma viagem para Manchester, onde Eleanor vivia. Foi própria Eleanor quem revelou à mamãe o verdadeiro motivo das viagens de negócios do Sr. Morgan. Barbara era muito apegada a ele. Ao meu ver sordidamente apegada, seu carinho era incestuoso.
_Deus!...
_Barbara era linda, como sua mãe, mas não tinha a bondade dessa, ao contrário. Eleanor parecia mesmo um anjo com aqueles cabelos loiros ondulados, seu tipo elegante e seus grande e meigos olhos azuis. Barbara parecia muito com ela, mas numa versão ruiva e má. Mamãe me proibiu até de falar com ela... Quando alcançou 12 anos, tornou-se uma víbora sedutora. Tinha um corpo voluptuoso e costumava andar com camisolas tranparentes pela casa.
_E permitíam isso?!...
_Ninguém permitia nada, Barbara fazia de provocação. Quanto mais você brigava ou se opunha, mais ela provocava. Fazia pior, era capaz de aparecer nua em sua frente.
_Meu Deus!... Lembro de tê-la visto nua uma vez...
_Não se surpreenda com isso, Barbara é capaz de tudo. Ela foi pega várias vezes com os empregados: o coxeiro, o jardineiro e até mesmo com Albert, filho mais velho de Sr. Morgan. Ela os seduzia e os conduzia como se os hipnotizasse.
_O Sr. Morgan não tomava providências?!...
_Não adiantava ele ralhar ou bater nela, isso a estimulava a fazer pior. Ela colocava ao meio caminho dos homens, semi-nua, às vezes mesmo completamente nua.
_Que coisa!...
_Elizabeth brigava demais com ela, várias vezes as apartei, pois podíam matar-se. O que aliás, acabou acontecendo...
_Como assim?...
_Barbara morreu em uma briga com Elizabeth. Elas se engalfinharam no corredor e Elizabeth a empurrou escada abaixo. Ainda tive o horror de ver Barbara caída, com os olhos azuis abertos e o pescoço torcido para o lado, como uma boneca quebrada. Isso aconteceu nos últimos dias de novembro de 1890.
_Então foi desta forma que ela morreu!
_Sim e nos deixou em paz por um ano. Até que resolveu reaparecer por volta do Natal de 1891. Ouvimos uma gargalhada e o baraulho de um castiçal caíndo. Fomos eu, mamãe, Loraine, filha mais nova de Sr. Morgan e Juliet, a copeira, ver o que era aquilo. O pior é que reconhecemos a risada de Barbara, na hora! Nos surpreendemos ao ver a porta do quarto dela escancarada, pois o senhor Morgan o havia trancado e ficado com a chave depois que ela morreu. A encontramos sentada na janela, estava de pernas abertas, com o vestido com que havia sido enterrada cobrindo-lhe as partes íntimas, os seios à mostra. Ela já apresentava a feição pálida e o sorriso malévolo que eu sei que você já viu.
_Meu Deus... Nem me recorde...
_Gritei para ela: Vá embora! Vá embora! e ela desapareceu diante de nossos olhos.
_Ai... isso me arrepia...
_Ela adorava aparecer de surpresa. Sempre semi-nua, ou nua. Fiquei horrorizada quando ela apareceu uma vez, em plena manhã, em meio a uma recepção que o Sr. Morgan fizera a um sócio _o senhor Wood _e sua família. As filhas e a esposa de Sr. Wood, gritaram quando a viram, pálida e licenciosa, nadando nua no chafariz do jardim, em pleno outono.
_Eu já a vi banhando-se lá.
_Ela costumava fazer isso quando estava viva.
_Ela aparecia sempre?
_Pelos menos uma vez por dia. Aturamos sua presença malévola até 1900, quando Sr. Morgan adoeceu. Ele tornou-se alcoólatra depois da morte de Eleanor. Veio falacer em 1907, de cirrose, poucos meses depois de minha mãe morrer, de derrame... _a arrumadeira se cala e limpa levemente os olhos. Retoma então o discurso. _Ele simplesmente desistiu de viver. De 1900 a 1907, só vi Barbara duas vezes. Numa delas, ela chorava, agachada no corredor, com os cabelos desgrenhados cobrindo o rosto. Era uma imagem triste e, ao mesmo tempo, assustadora... Na outra, pouco antes de o senhor Morgan morrer, ele estava empoleirada sobre a cabeceira da cama dele, olhando-o com um rosto triste, mas horrível, enquanto ele agonivaza. No dia em que ele morreu, ouvimos um grito horrível e todas as portas e janelas da casa bateram ao mesmo tempo.
_Aaaahhh!... perdão...
_Não tem do que se desculpar, eu também gritei. A partir daí, só Elizabeth permaneceu na casa, Albert e Loraine haviam casado. Eu fiquei com Elizabeth e vi o início de sua loucura, só ela passou a ver Barbara a partir daí. Gritava para o vazio, jogando coisas contra o ar _que se estilhaçavam na parede _e ofendia sua inimiga invisível. Ela ainda casou-se com o Sr. Curtis, mas o casamento praticamente acabou quando ele foi para o front, na Pirmiera Guerra.
_Ele morreu?
_Não, a guerra acabou e ele mandou uma carta para ela dizendo que a estava abandonando. Li um trecho da carta, ele a chamava de louca e disse que achou melhor passar quatro anos no front do que ao lado dela.
_Meu Deus!...
_Isso foi o fim para Elizabeth, em todos os sentidos. Pois, Albert, que era viciado em jogo, simplesmente perdeu o banco do Sr. Morgan numa sucessão de jogadas de cartas sem sucesso. Ela vivia sobretudo de sua parte do dinheiro do banco. O Sr. Curtis literalmente sumiu, jamais lhe enviou qualquer ajuda financeira. Ela passou a vender suas jóias e outros objetos da casa para sobreviver. Quando ela não pôde mais me pagar, saí da casa. Era o ano de 1919. Ela ainda morou alí até 1921, quando foi internada. Ela começou a gritar e quebrar tudo na casa, em um de seus surtos, quando via Barbara. Os vizinhos, que já sabíam de seu estado mental, chamaram a ambulância e ela foi levada para o manicômio. A casa foi fechada e ninguém morou nela até sua morte, em 1931. No dia seguinte ao enterro, puseram a casa à venda pela prmeira vez.
_Quem a comprou?
_Um banqueiro, que deu um tiro na cabeça três meses depois. Não me pergunte porque ele fez isso, nós sabemos porque foi.
_...
_Muitas pessoas moraram na casa até 1939. Todas saíam alegando ter visto a menina diabólica, ou prostituta do inferno como passaram a chamar Barbara. Durante a guerra a casa ficou abandonada e não sei como não foi atiginda pelas bombas alemães.
_Que coisa...
_Ela voltou a ser habitada a partir de 1948, mas novamente as queixas recomeçaram. Houve mais dois suicídios lá dentro e um assassinato.
_Meu Deus!
_Sim, um marido enlouquecido por Barbara matou sua esposa.
_Deus do céu!...
_Muitas criadas que passaram por lá disseram ficar perturbadas com as aparições dela. Uma das pessoas que se suicidaram na casa foi uma criada. Segundo contam suas ex-colegas, ela fora seduzida por Barbara e não mais escondia seu desejo por ela. Atirou-se de uma sacada.
_...
_A última pessoa que habitou a casa, saiu de lá em 1955, vinte anos antes de você ir para lá.
_Sim, eu sei disso.
_Essa casa ficou desabitada por vinte anos, com Barbara imperando lá dentro. Quer um conselho, saia de lá! Não sei como aguentou ficar cinco meses... _a velha move a cabeça negativamente _ Acho que é porque não tem filhos. Saia de lá, antes que ela faça algo contra você.
_Meu marido não quer sair, disse que estou vendo coisas, até comecei a ir em um psicólogo.
_Saia de lá! Ou quer continuar a vê-la em seu espelho?
_Como sabe que ela apareceu no reflexo do espelho?
_Acha que não conheço as artimanhas de Barbara? Saia de lá, senhorita Helen, antes que ela resolva matá-la.
_Matar-me!
_Sim. Uma vez, em 1893, ela tentou me estrangular enquanto eu dormia. Senti suas mão geladas sobre meu pescoço. Quase morri sufocada, mas consegui gritar e Sr. Morgan veio em meu socorro. Acredite menina, se Barbara não lhe seduz, ela lhe mata. Saia de lá o quanto antes!


Marcelo Farias