segunda-feira, 16 de novembro de 2015

ANTÔNIO



O nome do primeiro eu não sei pronunciar. Apenas digo que vivia numa caverna, na França, por volta de 30.000 a.C. Gostaria de dizer que foi exímio caçador e que sua múmia foi encontrada em excelente estado de conservação. Mas não, morreu tão anônimo quanto a maioria dos seus pares, mas deixou uma marca de mão na parede de uma caverna. Já na época possuía pendores artisticos e literários.
Após várias encarnações como obscuras mulheres artesãs e cheias de filhos, ele aparece como hebreu que deixa o Egito e chega à Terra Prometida, liderado por Moisés. Sua vida foi então de oleiro. Mas em todas as posteriores foi prostituta, até surgir como pedagogo, na Grécia, ao tempo de Sócrates.
Escravo foi durante várias vidas, até ser o marceneiro que parou para ouvir os estranhos e profundos discursos de um companheiro de ofício, Jesus. Agora finalmente temos um nome, Ezequiel. Que poderia ter morrido martirizado e se tornado santo, mas morreu bestamente, quando um camelo tropeçou em um cachorro novo, que latia o tempo todo, e então desabou sobre ele. Morreu na hora!...
Talvez por isso tenha encarnado tantas vezes no Cáucaso, bem longe dos camelos. Só como armênio, encarnou dez vezes. Depois parece ter-se encantado com o Oriente e foi rendeiro hindú e monge budista do templo Shaolin.
O veremos novamente como o capitão Franz, que morreu aos 36 anos, na primeira Cruzada. Talvez cansado do claustro e das armas,  viveu como trovador por três longas vidas seguidas.
Chegou então a fase cigana. De 1355 a 1498, comeu porco, bebeu vinho, cantou, dançou e andou a Europa toda de carroção. Nasceu três vezes na Romênia e uma na Espanha.
A batina e o além mar porém lhe convocaram a ser Pedro, Miguel e Alonso, nascidos na Espanha e missionários jesuítas em São  Paulo, Minas Gerais e Bahia, respectivamente.
Foi Quintino, vendedor de quitutes feitos por sua mãe, quando fez amizade com Tiradentes. Morreu porém jovem, de malária, antes dos vinte. O que talvez o tenha inspirado a ser Leopoldo, amigo de Álvares de Azevedo, que morreu de tuberculose antes que seus poemas pudessem ser publicados. 
É neste momento que se torna o libertário tipógrafo Antônio, assassinado aos 31 anos, por jagunços liderados pelo filho de um fazendeiro, que odiava os abolicionistas.
Como o professor e poeta Deodato também viveu pouco, mas teve a honra de um singelo livro publicado: Poemas D'Orvalho, onde oscila entre o Simbolismo e o Parnasianismo. Os amigos o definiam como romântico.
Já como o inquieto Alceu, foi boêmio, amante do samba e das letras, no Rio dos anos 30. Professor de língua portuguesa e literatura brasileira e jornalista, preferiu morrer servindo nos campos da Itália, do que nos porões do Estado Novo.
Os porões da Ditatura Militar, porém, não o pouparam como Felipe. O incendiário produtor de fanzines subversivos, morto sob tortura no DOI-CODI, em 1971.
A mistura da fé cristã com o nomadismo cigano e jesuíta, as vidas como trovador e poeta do "Mal do Século" e o dinamismo combativo como jornalista engajado, geraram o meu grande amigo Flávio Mello. Ex-gótico, que hoje milita apenas na educação e nas letras, devoto que é em cultivar sua linda família.

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