quinta-feira, 19 de novembro de 2015

CANDELÁRIO

Candelário sempre fora um tanto tímido e recluso. Desde cedo seus melhores amigos foram os livros. Na Universidade (formou-se em Letras) conseguiu criar o círculo de amigos que nunca tivera na infância e adolescência. Os amigos o admiravam muito e o tinham quase como um guru. 
Não fosse o hábito de ir à biblioteca pública todos os dias ao fim da tarde, não teria conhecido Eliodora, sua esposa. Ela começou lhe oferecendo um café, depois uns biscoitos, um bolinho feito pela mãe, comentou autores e livros de sua preferência, até o assunto chegar na poesia e ele a lhe recitar os poemas que em horas vagas escrevia.
Do primeiro café, até  os primeiros poemas foram seis meses. Os outros quatro meses foram de amizade. Os seis  meses seguintes, de namoro consentido. O noivado durou pouco mais de um mês, porque a noiva não quis esperar mais.
Casaram-se e tiveram seis filhos. Que até a altura em que estou narrando, lhes deram dezesseis netos. Destes, quatro atrapalham sua leitura na biblioteca, após o jantar em família, para celebrar o recém noivado da filha mais nova.
Feliz e avô, Candelário conversa com seus netos:
_Vovô, quando vai ser o fim do mundo? _pergunta Eliandra, de 12 anos.
_Não se sabe o dia nem a hora, minha andorinha. Isso só Deus sabe. Não se aflija com essas coisas. Viva bem sua vida e seja feliz. Pessoas felizes são boas e pessoas boas vão pro Céu.
_Vovô, é verdade que a Alemanha e a Inglaterra vão entrar em guerra? _indaga Zé Roberto, de 11 anos.
_Ninguém sabe direito, meu filho. Guerras não começam da noite pro dia. Penso que ainda está longe disso. Mas não se aflija, isso acontece na Europa muito longe de nós. Aproveite a vida e realize seus sonhos, pois vivemos em paz e há tempo para você fazer isso.
_Vovô, como é o Céu? Pra onde a gente vai quando morrer? _investiga Pedrinho, de sete anos.
_O Céu e um lugar muito bonito, mas só contempla sua beleza quem hoje vive lá, ao lado de Deus. Não se preocupe com isso, meu menino. Você ainda é muito criança. Obedeça sua mãe, coma bem e cresça forte e com saúde. E quando crescer, seja justo e honesto, pois quem não deve não teme.
Por fim, Benito, de apenas 03 anos, vem lhe trazendo um livro aberto, curioso com um mapa.
_Ah, aqui é a Itália, meu pequenino. E esta aqui é a África... _explica Candelário com satisfação.
Nesta noite feliz de 1901, vimos Candelário aos sessenta e sete anos. O tempo passou, os netos cresceram e, mesmo sem saber, fizeram tudo exatamente como Candelário dissera para fazer. 
Assim, quando a Primeira Guerra veio, não tiveram medo, pois sabiam estar no Brasil, longe daquele conflito. O fim do mundo não lhes parecia próximo e a busca de uma vida correta os fazia tranquilos, sem medo do Inferno após a morte. 
Candelário morreu aos 91 anos, três dias após o Natal. Seus netos já tinha maturidade para lidar com a perda e para reconhecer como é importante saber aproveitar e valorizar a paz.

Nenhum comentário: