domingo, 28 de outubro de 2007

CRIMIDEIA



















No aparente vazio ocular da noite _um pouco mais de duas, creio eu _Vinha ele com sua armadura arranhada. Seu corpo transbordava cervejas e desgostos. Reclamou ao vento: "_Noite gélida, mugido de brisa, estrelas mudas, um céu de luto. Tudo tão deserto e compacto". Uma última golada e gritou: _Voa! _E o copo vazio voou na liberdade do ar e ele achou tão bonito o rodopiar daquele corpo que, se ele fosse um xamã, congelaria o tempo daquele salto. Mas o objeto se rebelara se espatifando no chão de pedras, espalhando infinitos cacos bem em frente ao famigerado Teatro Amazonas. Feito isso, seguiu torto o seu caminho com a fogueria de Dante crepitando dentro dele. O que ele não contava é que naquela noite estava sendo vigiado pelos micro-olhos da cidade, tal e qual um romance de Orwell, de modo que seu comportamento vandalesco-irreversível era sem dúvida intolerável aos olhos da lei. Já ia bem distante do crime, quando eles frearam o carro e de dentro saíram furiosos e armados.
_Encosta ali! _Eram homens grandes e maus.
_Quê que eu fiz?
_Depredação de patrimônio!
_Não depredei nada!
_E o copo infeliz?!
Sim, a merda do copo. A alma encolheu-se de medo dentro da armadura arranhada. Vestiram-lhe as luvas, deram-lhe um sermão e passearam com ele pelo quarteirão até a cena do crime. Chegando lá, fizeram ele juntar os cacos um a um. Eles eram enormes e maus. Não havia outro jeito. Ele juntou os cacos. Feriu os dedos. Eles riram. As estrelas também. Depois o liberaram e só então ele pode descer a avenida, sossegado, rumo ao puteiro. Lembrou que restavam alguns trocados para o conhaque sujo. Entrou. Horas depois, abraçado a uma puta linda, de menor, abafou o choro e fez promessas de casamento.



Márcio Santana - Crimideia. Ilustração: Abssinto - Edgar Degas.

Nenhum comentário: