Toinho tinha 12 anos quando isso aconteceu. Já havia quatro anos que sua amada mãe havia morrido. A casa antiga da fazenda se tornava cada vez mais sombria. Os dias eram solitários, seu pai não lhe falava muito. As noites eram longas, os roncos de seu pai não lhe permitiam dormir. Ele ouvia cada som de noite. desde o vento na plantação, até os chiados das galinhas no porão. Mas nada superava os roncos de seu pai.
Certa noite, ouviu um barulho diferente sob o piso do quarto. De repente, as galinhas se alvoroçaram e subiu-lhe, às narinas, um cheiro de mata e cachorro molhado. Imaginou que o galinheiro estivesse sendo atacado por uma raposa. Pensou em chamar seu pai, mas seus roncos, infindáveis, denunciavam um sono de pedra.
Abaixou-se sobre o assoalho e pôs-se a olhar por suas frestas. Viu um vulto maior que um homem. Assustou-se e quis correr para o quarto do pai. Mas os roncos emanados de lá, o assustavam mais que o vulto. Voltou a abaixar-se e olhou novamente entre as frestas. Surpreendeu-se a notar, do outro lado das frestas, um par de olhos esbugalhados e vermelho-fogo. O detentor dos olhos vermelhos falou-lhe, em voz rouca hálito de fezes de galinha:
_Tá olhando o que moleque?
Silêncio.
_Quer chamar o papai? _Continuou.
_E eu chamo mesmo!
_Se ele se preocupasse com você já estaria acordado, não acha?
_Ele só tá cansado!
_De você?
Silêncio.
_Essa sua vidinha pode mudar, menino.
_Como?
_Acabando com seu medo.
E terminando de falar, o estranho encheu a boca de algo que pareceu, aos olhos de Toinho, uma suculenta farofa de pinhão.
_Eu posso te ajudar! _Contibuou, falando e comendo.
_Como?
_Venha até o galinheiro.
_Não sei!
_Não tenha medo, confie em mim! Venha aqui.
_Espera! _Foi falando e se dirigindo ao quarto do pai.
O grande home da roça dormia ente três travesseiros esfarrapados, uma colcha de retalhos velha e um lençol que não parava sobre o colchão. E roncava forte, como uma fera faminta e desorientada. Pensou em acordá-lo, mas depois do terceiro rosnado sonífero do pai, desistiu. Saiu pela casa, andando pé-ante-pé até a porta do porão, servido de galinheiro. Respirou fundo e entrou num pulo só. De olhos fechados sussurou:
_Estou aqui.
O homem-fera soltou um urro gutural e todas as aves do galinheiro sairam desesperadas pela porta, passando por cima de toinho e o derrubando ao chão. Apavorado, começou a gritar e esmurrar o ar. Por alguns segundos, ficou assim. Até percerber estar completamente só. Levantou-se com medo e olhou tudo ao redor. Não havia nada, nem ninguém... Limpou-se rapidamente e voltou para dentro de casa. Correu para sua cama e cobriu a cabeça. Depois de quase uma hora ouvindo os sons da noite, acalmou-se e percebu um arranhão em seu antebraço esquerdo.
Passaram-se 28 dias e o arranhão não se curava. Por dias ouviu o pai lhe recriminar por ser descuidado e desatento e por se machucar à toa. Além disso, nos últimos dias, o ronco do pai parecia mais alto, freqüente e irritante.
Naquela madrugada, 28 dias depois do ocorrido, o menino ouviu o mundo se silenciar... Foi até a janela, sentiu o cheiro de mata e de fezes de galinha. Sua boca secou, seus olhos viram muito mais longe do que já havia visto em sua vida. Num instante, o mundo ficou claro ao seu redor. O menino fechou os olhos e seguiu ouvindos os roncos de seu pai. Já à porta do quarto, sentiu o cheiro de fumo de rolo e estrume de vaca queimados, cachaça e limas da pérsia (que na verdade eram de seu quintal mesmo). Segundos pareciam horas. E os roncos pareciam cada vez mais altos. Sua cabeça parecia explodir. A dor era incontrolável... De repente, ouviu-se o som das unhas afiadas em carne macia e sebosa. E não se ouviu mais nada.
Naquela noite, depois de quatro anos, Toinho dormiu como um anjo. Um anjo da noite!
Beto Reis.
Um comentário:
Você será um sucesso literário, escreva o que estou dizendo!
Postar um comentário