quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

ABORTO






















Maria levantou tarde. Era uma das poucas vezes que teve esse luxo. Decidiu não trabalhar hoje, ou quem sabe nunca mais. Da sua janela via mais janelas. Por um momento pensou em ser um pássaro, voar até as mais altas e quem sabe mais perto do céu encontrar um pouco que fosse de conforto. Desistiu. Sentiu mais uma vez as fisgadas em seu ventre. Abaixou-se no canto da sala e implorou para que a dor aumentasse. Queria que aquela dor ultrapassasse a outra que rasgava o peito e a fazia delirar. Maria nunca foi dada a delírios. Gostava mesmo era de “apaupar” as coisas da vida. Apesar de que há algum tempo, era a vida que a estava pegando e dava pra ver Maria sonhando acordada, cantarolando nas ruas, imaginando como seria entrar de branco e véu em qualquer padaria ou farmácia só pra mostrar pra todo mundo que havia se tornado “senhora dele”. Quanta bobagem! Pensava ela. A realidade era outra. Há dias só enxergava coisas marrons ao seu redor. As outras cores, àquelas que de vez em quando nossos olhos teimam em querer ver, já não existiam mais pra ela.Lembrou da dor... das dores... Encolheu o corpo, com a cabeça entra as pernas chorou bem forte. Não entendia porque Deus não a ouvia. Gritava, mas era em vão. Maria estava sozinha. Levantou devagar e sentiu o gozo descer em forma de sangue pelas suas pernas. E só então, teve a certeza do fim.




Carla Abreu.

2 comentários:

MARCELO FARIAS disse...

Há algo de gótico nesta estória... mas em vermelho.

Carla Abreu disse...

Obrigada por ter postado aqui, Marcelo...E vc tem razão, há algo gótico e há uma dor tão profunda aí.rs

BjO!