quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

ALÉM DAS PESTANAS DO CRIADOR























Não levamos,

não trazemos:

_Tragamos!

pela fumaça da memória:

vai o filho
que parou
de pular na cama
porque cresceu
sem avisar,

o cão amigo,
que de tão velho,
já nem se lembra
de abanar o rabo
magrelo e doente

e o canário
que não mais visita
a janela da sala...

ele não canta,

minha avó
não fala

meu assobio
de forma remota.

Para os afastamentos reais
praticamente tudo importa,

desde o refrigedor
que pararam de fabricar
nos anos cinquenta,

até a última porta
ultrapassada
por Adous Huxley
de forma

monótona,

lenta,

na festança
do terceiro colegial.

Qual era mesmo o gosto da virgindade
e a cor da banalização do querer bem

A vida é um imenso trem cargueiro que se afasta continuamente das estações

principais

e segue para além das pestanas do criador...



Anderson H. Ilustração: iluminura medieval mostrando São Jorge matando o dragão.

Um comentário:

MARCELO FARIAS disse...

"e a cor da banalização do querer bem"

Isso é uma heresia em forma de verso! Iconoclastia amarga! Você é como uma bebida destilada, ainda não envelhecida, que pode ser adocicada, licorosa, mas que também pode travar na garganta, queimando!

PS: postei com a imagem que você mesmo escolheu, ela realmente capta a alma do poema.